
Em 2004 o mundo se viu diante de uma ameaça que se mostrava extremamente perigosa dadas as possibilidades de devastação em pequeno espaço de tempo: a gripe aviária. Causada pelo vírus H5N1, surtos em 2005 dizimaram milhares de aves e chegaram a infectar centenas de pessoas no Vietnã, Tailândia, Indonésia e Camboja. Ato contínuo, a OMS (Organização Mundial da Saúde) ligou o sinal vermelho e estimulou a fabricação de vacinas para impedir que um estrago maior ocorresse, como aquele de 1918, quando 40 milhões de pessoas foram mortas pelo vírus da influenza.
Em meados da década de 2000 o Brasil estava completamente despreparado para produzir vacinas em quantidade necessária para imunizar sua população. O caminho natural seria importar o material, o que de fato aconteceu. Em paralelo, o Instituto Butantan, o maior laboratório de produção de vacinas e soros da América Latina, entrou nessa briga e transformou um antigo prédio em laboratório piloto para iniciar a produção em pequena escala da vacina.
Anos se passaram e em 2009 foi a vez do surgimento da chamada gripe suína, causada pelo vírus H1N1. Ele apareceu nos Estados Unidos e rapidamente infectou milhares de mexicanos, tornando-se em pouco tempo uma pandemia. Interessante desse vírus é que ele atacava principalmente jovens, crianças e mulheres grávidas, algo incomum na história das pandemias de gripe. O mundo despreparado para esse desafio e o novo sinal vermelho da OMS colocaram os fabricantes de vacina em ação, entre eles, o Butantan.
Produção em evolução
O Instituto Butantan se tornou, nas últimas décadas, responsável por 93% de todo o soro e vacinas produzidas nacionalmente, entre eles as vacinas para combater a difteria, o tétano e a hepatite B, além dos soros Anti-rábico, Anti-tetânico e Anti-aracnídico. Pesquisa também novos produtos como as vacinas para os vírus H5N1, H1N1, Rotavírus e Dengue.
O avanço vivido pelo instituto está sendo de tal monta que o tornou o único na América Latina a produzir vacinas contra a influenza, com capacidade de produção de 20 milhões de doses anuais. Isso o tornou o maior consumidor de ovos fecundados do Brasil, 20 milhões de ovos anuais, já que para cada vacina fabricada exige-se um ovo fecundado.
Para quem olha somente os resultados dificilmente consegue perceber a grandiosidade e a complexidade do processo de fabricação de soros, e principalmente, de vacinas. Para se ter idéia, somente o descarte do material utilizado para a produção de vacinas já é algo fenomenal. Existe uma máquina especialmente fabricada para destruir o que sobra dos ovos, depois de se separar o líquido repleto de vírus que banha o embrião. Esse material é reduzido a pó para ser transportado com segurança e incinerado, evitando assim que vire alimento para aves ou animais que poderiam ser infectados, disseminando a doença.
Os donos do galinheiro
Seria hipocrisia acreditar como algo trivial a criação de grandes institutos de pesquisa reconhecidos mundialmente. Anos se passaram para que a maturidade chegasse, por exemplo, ao Instituto Pasteur, na França, à Estação Zoológica de Nápoles, na Itália, ou à Escola de Biologia de Cambridge, na Inglaterra. Suor, lágrimas e vultosos investimentos fizeram uma boa receita para o sucesso.
No Brasil, em que pese a canalhice engravatada de boa parte dos políticos que perversamente detém o poder de decisão de onde aplicar a migalhas que sobram dos desvios de interesses próprios, é possível criar boas galinhas dos ovos de ouro. Vê-se em São Paulo o Instituto Butantan; vê-se no Rio o Instituto Bio-Manguinhos; vê-se em Natal o Instituto Internacional de Neurociências. Por detrás, emergem grandes paixões, muita ética e principalmente aguda civilidade. São exemplos explícitos de que é sim possível produzir grandes obras que impactem positivamente a população brasileira, seja em sua cultura, educação ou saúde.
Mais do que vontade, é preciso ter coragem para empreender. Afinal, criar galinhas não é para qualquer um.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).
Publicado na edição n° 9561, dos dias 20 e 21 de junho de 2013.