A criança é um ser em construção. Merece todos os cuidados e atenções. Antes mesmo de nascer, à gestante é garantida assistência para que o nascituro chegue à luz com os nutrientes essenciais ao seu desenvolvimento. Vacinação, puericultura, vitaminas, os clássicos “jardins de infância” e pré-escola. Tudo já existe e merece continuidade e intensificação, inclusive com assimilação dos benefícios que a ciência e a pesquisa asseguram, no rumo da presumível perfectibilidade da vocação humana sobre o planeta.
Mas há um tema especial, que nem sempre entrou no radar das municipalidades. Os desastres ambientais, que se tornarão cada vez mais frequentes e mais fortes, mercê das emergências climáticas. Crianças e adolescentes, junto com os idosos – e a velhice não é uma espécie de retorno à infância? – são as vítimas preferenciais desses fenômenos.
De acordo com o Unicef, quarenta milhões de meninos e meninas estão expostos a mais de um risco climático ou ambiental no Brasil. Isso prejudica o desenvolvimento físico pleno, além do social e emocional. Impacta educação, saúde, lazer, segurança e vida dessas crianças e adolescentes. Também existe relatório do Health Effects Institute com o Unicef, divulgado pela Sociedade Brasileira de Pediatria, noticiando que ao menos 465 crianças menores de cinco anos morrem por dia no Brasil, em razão de doenças potencialmente causadas ou agravadas pela poluição do ar.
O Brasil que tem mais faculdades de direito que a soma de todas as outras espalhadas pelo restante do planeta deveria observar o artigo 227 da Constituição, que estabelece absoluta prioridade para os direitos inerentes à infância e adolescência.
O município de São Paulo foi o primeiro a criar a Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas e a aprovar o Planclima, um Plano de Ação Climática, ora em plena execução e já em revisão, depois de quatro anos de vigência. É urgente que cada município tenha um Plano Municipal de Adaptação Climática e de Mitigação de Riscos de Desastres. Escolas e equipamentos públicos devem ser adaptados para abrigar os munícipes, principalmente crianças, durante o período de temperaturas elevadas, que vai ser, lamentavelmente, o maior período a cada ano.
É dever de cada município não só arborizar-se para que o verde predomine, como fazer campanha de conscientização para a comunidade também amar a árvore, zelar por ela, colher sementes, fazer mudas, formar viveiros, ensinar a plantar e a cuidar. Com as crianças, essa missão é facilitada, porque elas têm sensibilidade para saber que árvore é a maior amiga do ser humano, capaz de amenizar as agruras de um clima que só se tornou hostil, por força da insana conduta do bicho-homem, que não respeita a natureza, mas parece preferir exterminá-la.
Que cada prefeito coloque em sua consciência o carinho preferencial pelas crianças e não terá em sua consciência o remorso de perda de vidas durante sua gestão, por omissão das obrigações que recaem sobre os responsáveis pelo comando da cidade.
Virose é um aviso
O verão atrai as pessoas para contato com o mar. Esse mar grandão que banha mais de dez mil quilômetros da costa brasileira. São Paulo é uma região privilegiada. Tem todo tipo de praia: calma, brava, com florestas, com montanhas.
Mas a humanidade, que se diz provida de racionalidade, não é dotada de juízo. A exploração cruel do litoral começou com a derrubada da mata, a destruição dos mangues, a ocupação de todos os espaços com prédios e mais prédios. Até os morros, em Ubatuba, foram sacrificados. É um crime o que se fez naquela bela orla.
A natureza não tem pressa, mas se vinga. O volume de plástico nas praias fez desaparecer os peixes e a fauna marítima que era abundante. Quem é que encontra conchas e caramujos em nossas praias poluídas?
Agora vem a virose no Guarujá e todas as praias de Santos impróprias para o banho. Será que não é tempo de levar a sério a questão do saneamento básico? Esgoto na praia? Isso é surreal. Como se deixar levar pelas ondas, tendo ao lado a companhia de fezes?
Mais educação, minha gente. Que não precisa ser educação qualificada, ecológica ou ambiental. Aquela boa educação de berço que as mães antigas faziam questão de impingir em sua cria.
A virose é um aviso. Se nada for feito, e é muito mais dispendioso corrigir do que prevenir, outras desgraças virão. Nosso litoral já é um espetáculo deprimente ao mostrar como é que não se deve tratar o mar. Ele mesmo se encarregará de corrigir isso, com o tempo. Afinal, o aquecimento global derreterá as calotas polares. O mar retomará aquilo que o homem subtraiu a ele. E talvez volte a ficar, no decorrer dos séculos, aquela beleza indômita, depois expulsar a espécie que o poluiu e conspurcou.
Não estarei aqui nesses tempos. Mas gostaria de ver alguma reação da lucidez que ainda não soçobrou à polarização, à mediocridade e à negligência que impede as novas gerações de curtirem a praia como nós pudemos fazer quando crianças.
Amigos do bem
O Brasil é o país dos contrastes. Existe a riqueza mais escandalosa e a miséria mais abominável.
Diante disso, cada protagonismo individual ou de grupo é capaz de amenizar as diferenças entre os que têm todas as condições de uma vida digna e de crescente qualidade e os excluídos. Não são excluídos pela sorte, mas pela injustiça social com a qual se convive, tanta vez sem conferir importância a um desvio ético pelo qual quase todos é responsável.
Há bons exemplos de reação ao quadro cruel. Um deles é o grupo de amigos liderado por Alcione Albanesi, que viajou ao sertão nordestino e se comoveu com aquelas pessoas a sobreviverem na pobreza extrema. Tão sensibilizados ficaram, que fundaram o projeto social “Amigos do Bem”, que vem transformando a vida de milhares de pessoas. Desenvolvem projetos educacionais conjugados com iniciativas de geração de renda. Conseguem romper um ciclo multissecular de miséria e mostram que há possibilidade de reverter o cenário, com boa vontade e muito esforço.
O sertão do nordeste é o semiárido mais populoso do mundo, com mais de trinta milhões de pessoas a subsistirem numa situação de indignidade, exatamente no país que erigiu a dignidade humana como princípio norteador de toda a atividade pública e também da iniciativa privada. Os “Amigos do Bem” educam mais de dez mil crianças e jovens nos quatro centros de transformação, com atividades socioeducacionais e cursos profissionais. Também contribuem para o aprimoramento dos professores da rede pública. No trabalho, beneficiaram cerca de 13 mil pessoas, com 1.500 postos de trabalho de impacto direto, em 15 unidades produtivas. Há plantação de caju, fábrica de beneficiamento de castanha, de doces, extração de mel e de pimenta. Oficinas de costura e artesanato.
Também se atua no setor de água e moradia e se cuida da saúde. O projeto depende da colaboração de todos, do voluntariado e da venda dos produtos provenientes desse empenho. Tente acessar o endereço www.amigosdobem.org e conhecer o e-commerce loja.amigosdobem.org, para saber mais. E colabore, se puder. São gestos como esse que podem conferir novo rumo ao Brasil de amanhã.
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).
Publicado na edição 10.898, quarta, quinta e sexta-feira, 22, 23 e 24 de janeiro de 2025 – Ano 100