
Por mais de três décadas, o cenário das novelas foi dominado pelas produções da Globo, mas 2024 marca momento histórico: a Netflix desbancou a gigante brasileira com “Pedaço de Mim”, vencedora do Prêmio APCA de Melhor Novela, durante a 69ª cerimônia do Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Artes. Trata-se da primeira novela original de um serviço de streaming a conquistar essa honraria, provando que o gênero novela, profundamente enraizado na cultura nacional, permanece vivo e relevante, mesmo em um mundo cada vez mais influenciado pelo formato seriado.
Escrita por Ângela Chaves e dirigida por Maurício Farias, “Pedaço de Mim” é um drama envolvente que une atuações primorosas de Juliana Paes, Vladmir Brichta e Felipe Abib para narrar uma história de amor, traição e redenção, com uma protagonista forte e com dilema carregado de emoção e vilões bem contemporâneos e com suas atitudes muito bem esclarecidas que nos remete muito à atualidade. A trama que transborda intensidade emocional é reflexo dos dilemas contemporâneos e não hesita em explorar as fragilidades humanas, conectando o público com questões universais.
Curiosamente, a Netflix optou por lançar “Pedaço de Mim” como “série”, talvez numa estratégia de marketing para atrair público mais jovem e acostumado ao formato dos seriados. Contudo, a narrativa folhetinesca, com ganchos emocionantes e personagens complexos, deixou claro que o brasileiro é, acima de tudo, apaixonado por novelas. Mesmo os jovens, rendidos à dinâmica ágil dos seriados modernos, souberam reconhecer a arte da novela quando ela é bem produzida. “Pedaço de Mim” não apenas honrou as tradições do género, mas também o renovou, mostrando que a novela ainda é espaço de inovação narrativa e grande alcance popular.
A premiação pela APCA destaca novo capítulo na história da televisão brasileira. Em um ano em que outras produções de peso também brilharam, como “Senna” (Netflix), vencedora de Melhor Série, e “Kubrusly: Mistério sempre há de pintar por aí” (Globoplay), escolhida como Melhor Documentário, “Pedaço de Mim” conquistou não apenas um prêmio, mas também o coração de um público que jamais deixou de amar suas novelas.
Outro ponto de destaque é o elenco impecável. Juliana Paes entrega performance hipnotizante, enquanto Vladimir Brichta e Felipe Abib exploram com profundidade e sutileza as complexidades de seus personagens. Sob a direção sensível de Maurício Farias, cada cena é cuidadosamente trabalhada para envolver o espectador, criando uma experiência visual e emocional que transcende o lugar-comum.
Esse momento é decisivo para o gênero. “Pedaço de Mim” prova que a novela pode se reinventar e conquistar novos territórios, sem perder sua essência. Para o Brasil, essa vitória é também cultural: reafirma que, mesmo em tempos de globalização e inovações tecnológicas, as novelas continuam sendo paixão nacional e, agora, produto de excelência exportado para o mundo.
Que “Pedaço de Mim” seja um marco não apenas para a Netflix, mas para toda a indústria do entretenimento, inspirando novas histórias e reafirmando o valor da nossa narrativa folhetinesca. Afinal, poucas coisas são tão brasileiras quanto uma boa novela, e poucas novelas nos fizeram tão orgulhosos recentemente quanto “Pedaço de Mim”.
Publicado na edição 10.899, de sábado a terça-feira, 25 a 28 de janeiro de 2025 – Ano 100