
Recentes movimentações nas esferas política, jurídica e econômica brasileiras reacenderam a chama de um elemento indigesto, porém bastante presente na história brasileira e da América Latina como um todo: o populismo.
A essência do populismo remete a um conjunto de práticas e ações de natureza eminentemente política direcionadas ao apelo ao “povo”, com claros contrastes em relação a uma pretensa casta de privilegiados – “nós versus eles”. Não há uma definição única do que seja o movimento populista, porém, em breves linhas, é possível descrever que esta ideologia se fundamenta na relação entre a coletividade, a massa, e um líder carismático que se coloca como defensor e protetor do “povo” oprimido pelas “elites”.
Em um País com graves problemas e profundos contrastes sociais como o Brasil, o populismo encontra um terreno fértil para sua disseminação, podendo surgir por uma conjunção de forças advindas dos anseios da população, ou simplesmente – e de forma mais perigosa – por força de um ou mais atores políticos com proeminência e projeção nacionais.
A não tão recente tragédia da pandemia da Covid-19, aliada aos graves problemas econômicos e sociais dela decorrentes, à profunda polarização política observada em nosso País e aos recentes acontecimentos envolvendo figuras públicas fizeram reacender a chama do populismo no Brasil. Medidas foram tomadas e discursos foram proferidos no sentido de defender o “povo” de medidas impopulares, ou de prometer o combate ao que há de ruim em nome do “povo”.
Logicamente, a defesa dos interesses da sociedade é uma das funções dos líderes de uma Nação, porém a utilização de uma narrativa que segregue e prejudique a coletividade é, cedo ou tarde, uma péssima atitude, que muitas vezes gera resultados catastróficos no médio e longo prazos.
Por vezes, uma decisão ou fala populista produz uma onda de pretensas melhorias no curto prazo, porém se mostra catastrófica com o passar do tempo. Um exemplo do passado: a redução das tarifas de energia elétrica com uma canetada, que em um primeiro momento trouxe alívio ao bolso da população, gera até hoje consequências, com valores embutidos na conta pagos por você e que encarecem hoje o que foi um alento no passado, e redução de gastos com manutenção do sistema, que resulta em apagões e problemas na rede – um benefício imediato que gerou um problema futuro, agora presente. Um exemplo atual: a iniciativa de tentar reduzir na marra o preço do diesel gera desconfiança no mercado e nos investidores, fomenta o aumento do dólar que, vejam só, encarece mais o combustível, um ciclo nada virtuoso.
No mais, é fundamental que os líderes, sejam os atuais, os do passado e, principalmente, os do futuro, tenham em mente que o exercício da liderança pressupõe a tomada de decisões difíceis e impopulares, porém necessárias em determinadas situações da vida, muitas delas imprevisíveis. Assim como em qualquer situação da vida, o exercício da liderança não possui apenas o “lado bom”, mas também o “lado ruim”, e dessa forma é mandatório que determinadas ações importantes e necessárias sejam levadas a efeito, ainda que contra a vontade popular majoritária e independentemente do que possa ocorrer na próxima eleição, um medo constante de políticos profissionais.
O Brasil, assim como boa parte da América Latina, já sofreu demais com medidas e atos populistas, que podem até parecer nobres e benéficos ao “povo”, porém no médio e longo prazos nos prendem à miséria social, humana e moral. Que nos livremos definitivamente desse mal.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.562 de 13 a 16 de março de 2021.