Por que as obras de Lícia Manzo precisam ser vistas?

Marcos Pitta

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A palavra certa - Em entrevista ao programa ‘Ofício em Cena’, Lícia Manzo falou da importância de criar bons diálogos na teledramaturgia. A entrevista com ela, inclusive, está no Globoplay.

A Vida da Gente’, de 2011, está de volta no horário das 18h da Globo. A essência que a história traz, a condução da direção artística, o roteiro muito bem elaborado e proposto pela autora são marcas que fizeram essa novela ser incrível. E é justamente Lícia Manzo, a dona disso tudo, que está no foco desta crítica.

Lícia é a responsável pela trajetória de Ana e Manuela, interpretadas respectivamente por Fernanda Vasconcellos e Marjorie Estiano, duas irmãs muito unidas. Na trama, Ana engravida do irmão de criação e quando a criança nasce decide seguir sua vida, a irmã vai junto e no caminho um acidente deixa Ana em coma por cinco anos. Quando ela desperta, Manuela está casada com o amor da sua vida e criou a sua filha. Complexo, né? Mas a história não é só isso, Lícia sabe fisgar a intimidade de cada personagem e o texto dela, somado à condução dada para essas duas irmãs e todos os demais personagens é tão impressionante que segura o telespectador em todos os 137 capítulos.

Exemplo clássico dessa intimidade que ela tem com a palavra e com os diálogos é o embate entre as irmãs, já nos momentos finais da trama, em uma cena de oito minutos com muito texto. Em outros folhetins, isso se resolveria em momentos de barraco, gritaria e tapa na cara, não que isso seja descartável em novelas, mas Lícia conduziu com mais profundidade e o melhor: não deixou a cena cansativa.

Ana e Manuela colocaram na boca perfeitamente cada palavra escrita no roteiro, que exigiu concentração e muita entrega das duas atrizes. Para o audiovisual, oito minutos de cena é muita coisa, precisa de material à bessa para cobrir esse tempo. Para o público, esses minutos também pesam e a chance de trocar de canal é grande, mas Lícia conduziu tão bem a história que não ouve essa ousadia.

As protagonistas precisavam deste embate e o público queria ver. Foi um diálogo quase que à capela. Tanto Manuela, quanto Ana tiveram seus momentos de domínio da situação em cena e essa percepção da autora é genial, porque a proposta não é de uma mocinha e de uma vilã, mas de duas irmãs que, por consequências da vida, se separaram e tiveram que reconstruir suas vidas destruídas, mas existia um amor e o telespectador precisava entender os dois lados.

O texto de Lícia, portanto, é real, contundente e não envelhece. É uma terapia assistir às obras da autora, é uma aula de roteiro para quem gosta, mais do que isso, é uma aula de como criar bons diálogos.

E ela não para. Em abril, tem a estreia da inédita ‘Um Lugar ao Sol’, trama das 21h que está sendo escrita por ela. Se às seis da tarde já é excelente ver Lícia Manzo escrevendo, imagina às nove da noite com mais liberdade. Vem textão por aí, vem um novelão. E para quem ainda não conhece o trabalho da autora, no GloboPlay tem ‘A Vida da Gente’ e tem ‘Sete Vidas’, dá para maratonar e vale a pena prestar atenção nas criações dela, pois apreciar uma obra de qualidade é muito mais do que assistir uma boa novela.

Publicado na edição 10.558, de 27 a 02 de março de 2021.