Procure fabricar chuva

José Renato Nalini

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Quer ajudar sua família, sua cidade e seu país, interesse-se pela falta de água e procure saber se você pode fazer alguma coisa. A tendência é achar que isso é algo muito difícil para se fazer sozinho. Mas não é. Basta pensar um pouco e ter boa vontade.

Um produto de que todos estão precisando: chuva. E não é impossível fabricar chuva. É algo que está ao alcance de qualquer pessoa. Comece por coletar sementes dessas árvores que ornamentam nossas ruas. Ipês, bauínias (pata de vaca), pitangueiras, araçazeiros, uvaieiras, goiabeiras, tudo aquilo que a Mata Atlântica, generosamente, nos ofereceu. A nós, infiéis guardiões. Acabamos desmatando tudo e nos condenando também à morte.

Semeie e deixe germinar. Transplante para um recipiente mais adequado. Cuide da muda, para que ela se desenvolva. Quando se mostrar capaz de sobreviver sem aquele carinho inicial, remova para um espaço em que ela possa se desenvolver.

Essas árvores são mágicas. Pelo fenômeno da ecotranspiração, elas emitem partículas que vão formar nuvens. E das nuvens vem a chuva.

Fácil assim. Não é algo imediato. Mas pense que as árvores que restam e que hoje ainda nos trazem temperatura amena, ao mesmo tempo em que sequestram carbono, enfeitam a paisagem e fazem chover, foram plantadas por pessoas que já se foram. E deixaram esse legado que estamos fazendo desaparecer com toda a pressa, como se não dependêssemos dele para subsistir.

Se puder, também recomponha matas ciliares dos córregos. Daqueles que sobraram, porque a maioria nós enterramos para dar lugar ao asfalto, que atende aos veículos, mais do que aos humanos. Nossa cidade impermeável precisa de mais solo natural, para a infiltração da água que hoje está rareando e que vai se tornar cada vez mais preciosa, porque difícil. Seja útil e previdente. Garanta a vida própria e a das futuras gerações, tão ameaçada em nossas cidades por falta daquilo que não podemos prescindir para viver: água. Faça alguma coisa por você e por aqueles que você ama. Todos merecem sobreviver.

Começar em casa

Nunca esteve tão próximo o perigo de se encerrar a aventura humana em curso por este planeta. O aquecimento global é o mais grave risco já registrado sobre qualquer espécie de vida, inclusive a dos animais racionais. Só que os poderosos não se preocupam com isso. Continuam a explorar combustíveis fósseis, a expelir os gases venenosos causadores do efeito-estufa. Compromissos assumidos como o Protocolo de Quioto e o Acordo de Paris ficam a enfeitar escaninhos. Não surtem efeito, porque não são cumpridos.

A incoerência está na atitude dos grandes emissores, mas também na postura confortável dos pequenos. Dentre estes, com algum esforço, pode ser incluído o Brasil. Em nossa Pátria, a maior causa de emissão dos gases venenosos é o desmatamento. Incrível ouvir falar em “desmatamento zero” para 2030. Por que não já? Porque não há vontade política, menos ainda competência para cuidar dessa questão dramática.

Num período em que o Brasil arde em chamas, com destruição de habitats, de animais, de plantações, de mata nativa, de moradias, com a fumaça atingindo todo o território e o espetáculo surreal de incêndio na região mais úmida do planeta – o Pantanal – não faz sentido viajar, levar comitivas para o estrangeiro, enquanto a nação vira cinzas.

Mas não há inocentes no cenário de descaso, inércia e omissão. Qualquer pessoa sensível e consciente pode fazer a diferença. Importunar os parlamentares em quem votou, para que assumam o desafio de resolver a questão dos créditos de carbono, de criar a autoridade climática, de punir os incendiários, de acabar com a criminalidade organizada e sofisticada que extermina a Amazônia e outros biomas.

Cuidar de sua cidade, pois é no município que as pessoas vivem, não na União ou no Estado. A União existe para servir à população, não o contrário. Compenetrar-se de que existem ferramentas muito fáceis e pouco dispendiosas para melhorar o microclima local: chamam-se árvores. A árvore, neste momento crucial, é a maior amiga da vida humana. Ela não faz apenas sombra. Ela gera água. E a escassez hídrica também está à espreita.

Vamos começar em casa e, se conseguirmos converter mais pessoas, nem tudo ainda estará perdido.

(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.886, quarta, quinta e sexta-feira, 6, 7 e 8 de novembro de 2024 – Ano 100