
Charles Darwin (1809-1882), evolucionista inglês criador da Teoria da Seleção Natural, conseguiu despertar a ira não só dos ingleses, mas de muitos cientistas ao redor do mundo quando publicou o polêmico livro “A Origem das Espécies” em 1859. Darwin foi motivo de insultos, piadas, e até ameaças a sua vida. “Como ousava um cidadão inglês e respeitado cientista, afirmar que o homem e o macaco possuíam os mesmos ancestrais?”, perguntavam muitos.
A pressão sobre Darwin foi tanta que ele postergou a publicação dessa teoria por mais de 20 anos, remoendo-se entre dores físicas e de consciência. Sabia muito bem que essas idéias seriam como um sutil graveto entrando nas entranhas de um vespeiro consolidado por séculos de atuação de uma igreja católica que se mostrava impiedosa com quem desafiasse os seus dogmas e suas regras. Quem não se lembra de Giordano Bruno e Galileu Galilei, ambos penalizados por afrontarem diretamente a igreja ao divulgarem a teoria heliocêntrica?
Passado um longo tempo após a sua criação, a Teoria da Seleção Natural, embora reconhecida pelo papa João Paulo II como “mais do que uma mera hipótese”, tem sua divulgação terminantemente proibida em alguns estados norte-americanos e outras regiões do mundo, onde prevalece a doutrina do criacionismo. E talvez por uma decisão retrógrada, pois a paleoantropologia e vários outros ramos da ciência como a morfologia, a geografia e a genética, vem ao longo dos anos corroborando em todos os sentidos com aquilo que um dia foi motivo de desafeto e gozação para Darwin.
Há alguns anos foi publicado um artigo na revista Scientific American sobre a descoberta de um crânio de um provável hominídeo chamado de Sahelanthropus tchadensis, que poderá contribuir com a história da origem da humanidade. Estaria Darwin ganhando um novo apoio?
A linhagem humana
A linhagem dos hominídeos (do homem) e a linhagem dos símios, como os chipanzés e gorilas, se originaram a partir de um mesmo ancestral primata, posto, é claro, o reconhecimento da teoria de Darwin e de toda história arqueológica sobre o assunto. A ciência ainda não foi capaz de identificar esse ancestral, aliás, a história da própria linhagem dos hominídeos, da qual o homem descende, ainda é recheada de muitas dúvidas e controvérsias devido ao fato dos achados arqueológicos não serem suficientes para descrever a história de forma precisa e contínua. Supõe-se, no entanto, que a separação entre as linhagens dos hominídeos e símios deu-se por volta de seis milhões de anos atrás e que a evolução dos hominídeos a partir dai, não foi linear e comportou a coexistência de múltiplas espécies até culminar no surgimento do homem moderno.
As controvérsias
A busca pelo primeiro homem parece só estar começando e mesmo assim as controvérsias sobre o assunto são evidentes. Em 2001 os paleontólogos M. Pickford e B. Senut anunciaram a descoberta dos restos de uma criatura chamada Orrorin Tugenensis, de seis milhões de anos. Para eles, essa criatura seria o mais antigo animal primata que deu origem ao gênero Homo; alguns cientistas não concordam justificando que as evidências fósseis não são suficientes para sustentar tal afirmação. Em meio a essa calorosa discussão, surgiu uma nova informação sobre outra descoberta, essa vinda do norte da África (Chade) e realizada pelo paleontólogo francês Michel Brunet. Ele descobriu um crânio de sete milhões de anos em boas condições, de um primitivo que foi chamado de Sahelanthropus tchadensis. Para Brunet esse é o mais antigo ancestral do homem; alguns pesquisadores cautelosos afirmam que a novidade é muito recente para inferências e conclusões sobre ser ou não ser o ancestral do homem. O fato é que antes de 4,4 milhões de anos, a paleontologia tem revelado apenas fragmentos de uma história nebulosa. Será preciso mais tempo para que a história do primeiro homem seja definitivamente encerrada, se ela algum dia o for. Até lá deveremos conviver com as angústias sobre as origens de nossos ancestrais.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).
Publicado na edição nº 9596, dos dias 12 e 13 de setembro de 2013.