Estudo recente publicado pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Universidade de São Paulo, realizado em parceria com a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), indica que o PIB (Produto Interno Bruto) do agronegócio recuou 2,48% no primeiro semestre de 2022, em comparação ao mesmo período de 2021. Apesar dos números indicarem retração do setor, há que se considerar na análise dos indicadores os elementos e eventos mundiais que moldaram a economia e a sociedade nos últimos anos, como forma de situar os números à realidade observada.
Primeiramente, a base de comparação (primeiro semestre de 2022 vs. primeiro semestre de 2021) é alta, já que o PIB do agronegócio no período de janeiro a junho de 2021 cresceu 9,81%, de acordo com dados do Cepea. Tal crescimento se deu em função da demanda aquecida e dos preços agrícolas elevados no mercado, que inclusive poderiam ter sido superiores caso não tivesse ocorrido quebra de produção em diferentes culturas, em razão de intempéries climáticas e aumento de custos dos insumos. Neste sentido, a comparação da produção no primeiro semestre de 2022, com igual período em 2021, já parte de um patamar elevado, que dificilmente seria alcançado ou superado no atual cenário de preços para determinadas culturas e criações.
Adicionalmente, o cenário atual de juros nominais é de taxas elevadas, o que inibe investimentos e encarece o custo do capital em operações indexadas à inflação ou à Taxa Selic, por exemplo. Neste cenário, em que se torna mais caro obter financiamento para investimento e em que trabalhar o dinheiro pode ser mais vantajoso e menos arriscado do que aplicar o capital em investimentos de alto risco, como a produção agrícola e a criação pecuária, naturalmente os produtores se tornam mais conservadores na hora de investir em insumos, produção, aquisição de maquinário e obtenção de crédito, esfriando a economia e, naturalmente, jogando os índices do setor para baixo, tais como o PIB e seus indicadores negativos acima mencionados.
No mais, os custos crescentes de produção, com preços elevados de insumos, fertilizantes e defensivos, torna a produção mais cara ao produtor, razão pela qual há pressão sobre as margens financeiras do negócio e, consequentemente, redução do capital disponível para reinvestimento e aplicação no negócio. Nesse ciclo, é natural que os números venham mais tímidos em relação ao crescimento econômico do setor, uma vez que há menos capital à disposição do produtor e menor ímpeto de investimento entre os representantes do segmento agropecuário.
O estudo do Cepea e da CNA destaca, ainda, que nem todos os estratos do setor enfrentam crescimento negativo. O setor de insumos, por exemplo, cresceu impressionantes 31,81%, no período compreendido entre janeiro e junho de 2022, comparados ao mesmo período de 2021. Isso porque os preços estão elevados em função de quebras logísticas decorrentes da pandemia ainda sentidas na cadeia de produção, distribuição e comercialização, assim como em razão da redução da oferta de determinados insumos em decorrência do conflito militar entre Rússia e Ucrânia e suas consequências em demais setores, como o industrial europeu fortemente impactado pelo aumento do preço da energia naquele continente em razão do corte de fornecimento de gás pela Rússia e a desativação precoce de plantas de geração nuclear e a carvão.
Como se observa, houve um crescimento negativo no agronegócio no primeiro semestre de 2022, em função da combinação do aumento dos custos de produção com juros elevados e uma base comparativa muito elevada. Contudo, há segmentos e culturas dentro do agronegócio que ainda apresentam crescimento significativo e níveis elevados de produção. Como o setor é amplo, com uma cadeia extensa de players, é natural que determinados elos apresentem resultados mais tímidos em função de externalidades e questões geopolíticas. Mesmo com números não tão animadores no geral, o agronegócio é, ainda, responsável por aproximadamente 1/4 da economia nacional. Qualquer redução da atividade econômica deste setor deve ser acompanhada com lupa, face sua relevância e peso na economia brasileira como um todo.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.704, de sexta a terça-feira, 30 de setembro a 4 de outubro de 2022.