
Há muitos anos – para não dizer décadas – discute-se a implementação de uma reforma tributária séria e abrangente no Brasil. Nosso sistema é complexo, burocrático e desigual, e uma alteração em pontos cruciais das normas tributárias em vigor não apenas simplificaria e estimularia a atividade econômica como também desoneraria as classes sociais com menor poder aquisitivo, que, indiretamente, suportam uma carga tributária mais elevada que os mais ricos. Algumas consistentes propostas de mudança no sistema foram discutidas ao longo dos anos, porém nenhuma chegou a ser aprovada no Poder Legislativo.
Em nova tentativa de reforma, foi apresentada na Câmara dos Deputados, em 3 de abril último, a Proposta de Emenda à Constituição 45/2019 (“PEC 45/2019”), baseada em estudos do Centro de Cidadania Fiscal, um think tank independente sediado na capital paulista, e capitaneada, no Congresso Nacional, pelo deputado federal Baleia Rossi (MDB-SP), com apoio de mais de 170 deputados até o momento. Em síntese, a proposta pretende substituir, gradativamente, cinco tributos incidentes sobre o consumo por dois novos tributos, com regras mais simples e cuja repartição da arrecadação será mais igualitária entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, aproximando o modelo brasileiro de tributação àquele praticado nos países desenvolvidos, em que se tributa apenas o valor agregado aos bens e serviços na cadeia produtiva e de consumo.
De acordo com a PEC 45/2019, os cinco tributos substituídos seriam: (i) na esfera federal, o Imposto sobre Produtos Industrializados (“IPI”), a Contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”); (ii) na seara estadual, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”); e (iii) no âmbito municipal, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”). No lugar destes, seriam criados dois novos tributos: um de competência federal, designado “Imposto Seletivo”, incidente sobre determinados bens e serviços, e outro de competência de todos os entes federativos, isto é, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, denominado “Imposto sobre Operações com Bens e Serviços” (“IBS”).
O Imposto Seletivo, se aprovado, incidirá sobre determinados produtos considerados supérfluos ou socialmente danosos, tais como cigarros e bebidas alcoólicas, mediante aplicação de elevadas alíquotas. Esse imposto seria de competência exclusiva da União, isto é, as alíquotas seriam determinadas e o fruto da arrecadação seria destinado, exclusivamente, ao Poder Central em Brasília. Já o IBS será de competência de todos os entes da federação, os quais poderão definir, por leis próprias, as alíquotas aplicáveis em seu território. Dessa forma, a aquisição hipotética de uma mercadoria no município de Bebedouro sofreria a incidência do IBS mediante a aplicação conjunta de alíquotas definidas pelo próprio município, pelo Estado de São Paulo e pela União, cada um arrecadando o quinhão que lhe pertence da tributação. Não poderia, contudo, haver diferenciação de alíquotas por bem ou serviço, isto é, todas as operações tributáveis no município estariam sujeitas à mesma alíquota, condição esta que, na prática, eliminaria a chamada “guerra fiscal” entre entes federativos existente no modelo atual.
Por se tratar de uma proposta de alteração ao Texto Constitucional, a PEC 45/2019 deverá seguir um rito diferenciado no Congresso Nacional: terá a constitucionalidade de seu teor analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (“CCJ”) da Câmara dos Deputados; se aprovado o texto, a íntegra da proposta será analisada por uma comissão especial formada por deputados federais de variados partidos, momento em que alterações ao texto poderão ser sugeridas pelos parlamentares; e, aprovado o texto na comissão especial, a PEC 45/2019 segue para aprovação em Plenário, quando, no mínimo, 308 dos 513 deputados federais, em dois turnos de votação, deverão aprovar o texto final da proposta, com ou sem modificações em relação à proposta original. Aprovado pela Câmara dos Deputados, com ou sem emendas, o texto segue para apreciação do Senado Federal, quando poderá ser emendado e deverá ser aprovado em dois turnos de votação por ao menos 2/3 dos senadores, isto é, 49 parlamentares.
Vale destacar que, de acordo com as manifestações políticas publicadas na mídia, o texto da PEC 45/2019, considerado de suma importância para o desenvolvimento do País e o crescimento da economia, deverá ser levado à votação pelos congressistas brasileiros apenas após a análise das mudanças na Previdência propostas pela equipe econômica do governo federal, de forma que, não bastasse o rito diferenciado e moroso de aprovação a que a proposta de emenda à Constituição está sujeita, a reforma tributária, tão necessária ao Brasil, estará, também, sujeita ao timing político.
Dessa forma, uma nova tentativa de reforma do sistema tributário está encaminhada, ainda que se encontre no início de sua longa jornada. Caberá aos representantes eleitos pela população analisar o conteúdo da proposta e sugerir melhorias ao texto. Considerando, contudo, o histórico de propostas de reforma tributária já apresentadas – algumas muito boas – que não vingaram, por variadas razões, fica, uma vez mais, a indagação: dessa vez vai?
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado em São Paulo-SP. [email protected]).
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Publicado na edição 10396, 22, 23 e 24 de maio de 2019