Reformando a casa

José Mário Neves David

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O Brasil é um País de contrastes: ao mesmo tempo em que metade da população ainda não tem acesso a tratamento de esgoto e água potável, somos hoje um dos Países em que mais se empreende no mundo, um dos maiores mercados de luxo do planeta e, apesar de todos os problemas, ainda um grande polo de atração de investimentos estrangeiros. Estamos ao mesmo tempo com um pé no atraso e um pé no futuro, ora querendo progredir, ora ameaçando regredir.
Muito embora haja questões pontuais a serem resolvidas, há uma forte percepção entre parcela significativa da população brasileira de que mudanças estruturais e profundas são necessárias para que possamos deixar para trás nosso complexo de vira-latas e, finalmente, deixarmos de ser o País do futuro para sermos a Nação do presente. Nesse contexto das mudanças necessárias, também conhecidas como reformas, já superamos, a muito custo, uma das etapas, qual seja, a reforma da Previdência. Certamente o texto aprovado não foi o ideal, mas foi o possível, além das expectativas do mercado, o que já é um passo significativo para o desenvolvimento do Brasil.
Ato contínuo, algumas outras reformas tão importantes quanto a da Previdência se mostram também necessárias, face às décadas de inércia política no País. Destaco entre elas, três: a tributária, a administrativa e a política.
No que cabe em relação à reforma tributária, que, conforme manifestações recentes de Brasília, deve ser a bola da vez no segundo semestre de 2020, há quase uma unanimidade no Brasil, no sentido de que todos, ou quase todos, consideram essa uma reforma fundamental para o desenvolvimento do País e para atração de investimentos. Afora as especificidades das propostas de reforma tributária em trâmite no Congresso Nacional, sobre as quais já me debrucei em artigos passados, bem como a proposta que o Poder Executivo promete encaminhar à Câmara dos Deputados em agosto, é fato que o sistema tributário brasileiro, em certa medida ultrapassado, anacrônico, complexo, burocrático e desigual, precisa ser modernizado, a fim de que possamos melhorar o ambiente de negócios no Brasil e tornar nosso País efetivamente competitivo no mercado mundial. A reforma tributária é, portanto, uma necessidade premente.
Ocorre, contudo, que a simples racionalização do sistema tributário brasileiro, por si só, não basta. Muito embora seja uma grande medida a ser implementada, é necessária também a implementação de uma ampla reforma administrativa, que racionalize o Estado como um todo e permita uma redução gradual e equilibrada dos gastos públicos. Em síntese, a reforma tributária pode até reduzir a carga de tributos, que financiam o Estado; a reforma administrativa, por sua vez, pode – e deve – reduzir o custo de manutenção da máquina estatal. Juntando as duas, maiores recursos poderão ser investidos naquilo que efetivamente importa: educação, saúde universal e segurança, as funções mais elementares do Estado.
Por fim, mas não menos importante, vejo a reforma política como uma necessidade de primeira grandeza para nosso efetivo desenvolvimento enquanto Nação. Três questões chamam a atenção: (i) é muito difícil, talvez impossível, governar um País e implementar melhorias em um sistema republicano com um Parlamento formado por representantes de mais de 30 partidos com diferentes bandeiras e interesses. É necessário reduzir a quantidade de partidos políticos, a fim de que a representação popular seja mais fidedigna (que o candidato empunhe, de fato, uma bandeira) e para que o fluxo das negociações para aprovação de matérias seja racionalizado; (ii) o fim do voto obrigatório e, possivelmente, da eleição de nulidades políticas. Vota quem efetivamente quer. Não faz sentido, em uma democracia, sermos obrigados a votar; e (iii) a instituição do voto distrital, a fim de que saibamos quem nos representa e possamos cobrar resultados dos nossos representantes com mais eficiência e efetividade.
Como se percebe, a necessidade da realização de algumas reformas é, de tão urgente, quase uma obrigação para os próximos anos. Não dá mais para ignorar alguns problemas e empurrar a mudança, sempre dura e barulhenta, para depois, A hora de reformar a casa é agora.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected]).

 

Publicado na edição nº 10502, de 18 a 21 de julho de 2020.