Rejeição à política tradicional

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Gaudêncio Torquato

A crise da democracia tem propiciado a rejeição à política tradicional e o florescimento de novos polos de poder. A rejeição social aos velhos costumes políticos assume proporções tão significativas que chegam a abalar, até, os alicerces das instituições do Estado, a partir dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), que passam a receber sérios questionamentos da sociedade. Protagonistas rejeitados e mal avaliados poderão recuperar força a ponto de repor a confiança das massas eleitorais?

Impossível apagar da noite para o dia uma taxa de rejeição, principalmente quando ela é alta. O que vem a ser esse repúdio e qual a origem dessa indignação? Trata-se de uma predisposição negativa que os cidadãos desenvolvem e mantêm acesa em relação a determinadas figuras públicas.

A rejeição tem uma intensidade que varia de pessoa para pessoa. Figurantes objeto de tiroteio por parte da mídia são os mais prejudicados. Eles integram o manual da maldade, tornam-se extensões da ilegalidade e passam a ser demonizados. Há casos clássicos de políticos que vestiram o figurino da bandidagem. Com o passar do tempo, alguns conseguiram limpar a camada de sujeira que cobria seus perfis.

Ademar de Barros: colou nele a marca “rouba, mas faz”. Orestes Quércia: deixou uma imagem não muito asséptica. Paulo Maluf: sempre teve altos índices de rejeição e passou a administrar o fenômeno com muito esforço. Mudou comportamentos. Hoje, perambula pelo universo político e se dá bem com jornalistas. É um caso de sobrevida na política. Rejeições a adversários também contribuíram para ate­nuar a predisposição negativa contra ele. “Ruim por ruim, vou votar nele porque fez coisas”, pensam seus contingentes eleitorais.

Em regiões administradas pela velha política, a rejeição a deter­minados candidatos se soma à antipatia, ao familismo e ao grupismo. Diante de uma paisagem assolada por escândalos, as massas passam a se manifestar e a se libertar de candidaturas impostas e nomes envolvidos em negociatas. Mas o caciquismo não se restringe a grupos familiares. Certos perfis, mesmo não integrantes de feudos políticos, expressam a imagem de antipatia, ora pela arrogância, ora pelo estilo ortodoxo de fazer política ou, ainda, pelo oportunismo. Na atualidade, há perfis com altos índices de rejei­ção, comprovando que os eleitores, cada vez mais críticos, intencionam derrubar a cerca de currais eleitorais.

A rejeição pode ser atenuada quando o protagonista penetra na origem do que consome sua imagem. Para tanto, é oportuno usar pesquisas qualitativas, que poderão mostrar como e porque os grupos o rejeitam. Deve-se enfrentar com coragem o espelho, onde ele, ator político, vai descobrir as manchas em sua feição: atitudes pessoais, jeito de encarar as massas, oportunismo, mandonismo, autoritarismo, orgulho, vaidade, arrogância, desleixo, desprezo pelas demandas sociais, cooptação à moda antiga, abuso do poder econômico, história política negativa, envolvimento em escândalos, ausência de boas propostas, descompromisso com as regiões etc. Para enfrentar essa trilha de obstáculos, os figurantes hão de gastar muita sola de sapato. Não se apaga índice de rejeição com meia dúzia de providências. Trata-se de uma mudança de estilo de fazer política.

Trabalhar com a verdade é o ponto-chave para administrar a taxa de rejeição. O eleitor distingue factóides de fatos políticos, boas e más intenções, propostas sérias de enganosas. O candidato há de montar em sua própria identidade, melhorar habilidades e procurar atenuar pon­tos negativos. É erro querer mudar de imagem por completo, passar uma borracha no passado e usar cosmética em demasia. Urge mudar sem riscos, sem mudanças constantes e bruscas, de acordo com a sabedoria da velha lição: não ganha força a planta frequentemente transplantada.

Colaboração de: Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato