Semipresidencialismo e oportunismo

José Mário Neves David

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Voltou à tona nas últimas semanas uma discussão frequentemente proposta por atores políticos nacionais. Trata-se de eventual adoção do sistema semipresidencialista no Brasil, um modelo de organização política que consiste na junção de elementos dos modelos de governo presidencialista e parlamentarista.

Na prática, o sistema semipresidencialista compreende a coexistência de duas figuras de comando do País, quais sejam, as do Presidente da República e do Primeiro-Ministro.

No sistema proposto, o Presidente da República é o Chefe de Estado da Nação (responsável por representar o Estado Brasileiro em nível internacional) e o encarregado por nomear o Primeiro-Ministro, dissolver o Parlamento ou Congresso (no Brasil, no sistema bicameral de representação, o Congresso Nacional, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal), propor leis, controlar a política externa do país, nomear determinados funcionários de alto escalão, solicitar referendos e consultas populares, dentre outras funções.

Por sua vez, o Primeiro-Ministro, escolhido pelo Congresso Nacional, Casa de representação popular a qual está subordinado, desempenha parcela significativa das atribuições de Chefe de Governo, dentre as quais nomear e coordenar a atuação dos Ministros de Estado, implantar políticas de desenvolvimento econômico e social e direcionar as pautas de discussão mais relevantes para a população.

Como vantagens deste sistema híbrido, podem ser citados o maior equilíbrio de forças e decisório entre os Poderes Executivo (no caso, representado pelo Presidente da República) e Legislativo (observado na figura do Primeiro-Ministro), assim como a possibilidade de resolução mais célere de impasses políticos do que no sistema presidencialista, sem a necessidade de acionamento do custoso e polêmico processo de impeachment. Neste contexto, em eventual cenário de falta de governabilidade ou de ausência de representatividade popular, bastaria a troca do Primeiro-Ministro ou a convocação de novas eleições.

Por outro lado, eventual troca do sistema atual, de natureza presidencialista, pelo modelo misto do semipresidencialismo poderia esbarrar em alguns entraves de natureza constitucional e em questões de pertinência.

Cabe destacar que o brasileiro escolheu o sistema presidencialista de governo em referendo realizado em 1993, oportunidade em que aproximadamente 55% dos eleitores optaram pela forma presidencialista de governo, em que o Presidente concentra as funções de Chefe de Estado e de Chefe de Governo, em detrimento do sistema parlamentarista, em que o Primeiro-Ministro governaria de fato o País.

Assim, eventual alteração do sistema de governo demandaria ou a aprovação de Proposta de Emenda Constitucional específica pelo Congresso Nacional, a qual deverá ser legitimada por uma consulta popular (tal como um referendo), na qual a população aprovaria a mudança no sistema político do país, ou mediante a convocação de uma nova Assembleia Constituinte para a confecção de uma nova Constituição Federal. Em ambos os casos, o processo político é complexo, de difícil aprovação e, no geral, moroso.

Contudo, o ponto central da questão reside no momento em que a proposta de implementação do semipresidencialismo vem à tona novamente. Apesar de discussão válida e que, de tempos em tempos, é trazida ao debate, é relevante pontuar que referido assunto surge novamente em um momento de instabilidade política nacional, com um Poder Executivo fragilizado e um Poder Legislativo empoderado e que tem aprovado questões polêmicas e não necessariamente de interesse da população em geral, a qual os congressistas deveriam, em tese, representar. Ademais, não parece ser às vésperas de uma eleição presidencial e de renovação do Congresso Nacional que promete ser acirrada e de grande impacto na economia e na teia social o momento mais adequado para tal discussão, tendo em vista o turvamento e enviesamento das visões sobre o assunto nesta altura do campeonato.

Assim, muito embora seja válida – e, possivelmente, necessária – tal discussão, conforme acima indicado, é importante que o assunto seja debatido à luz da razoabilidade e da pertinência, e não em um momento de grande efervescência política, econômica e social, pois neste cenário são relevantes as chances de que o conteúdo da discussão seja desvirtuado, oportunístico e direcionado para o cumprimento de interesses específicos e, por vezes, que contrastam com as reais necessidades do País.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected])

Publicado na edição 10.627, de 27 a 30 de novembro de 2021.