Sistema financeiro e crise de credibilidade

José Mário Neves David

0
171

Um dos assuntos mais comentados nos últimos dias diz respeito à quebra de dois bancos nos Estados Unidos da América (EUA), a saber, o Silicon Valley Bank (SVB) e o Signature Bank. Ambos eram considerados de médio ou pequeno porte, com ativos totais significativos, porém, bastante inferiores ao estoque de bens e direitos das grandes instituições financeiras daquele País. Em suma, não representavam grande risco, do ponto de vista sistêmico.

Em função do porte dos bancos que foram à bancarrota, muitas das medidas adotadas pelos reguladores estadunidenses após a crise de 2008 acabaram não sendo efetivas para instituições consideradas não tão relevantes para o sistema financeiro como um todo. Os controles regulatórios não foram suficientes, e as métricas de acompanhamento dos resultados acabaram ficando perigosamente fora do radar das autoridades dos EUA.

O foco dos bancos que quebraram em nichos específicos da economia, tais como as startups de tecnologia e o investimento em venture capital, que destina recursos para empreendimentos em fase inicial, mas com grande potencial de crescimento, também favoreceu uma certa ausência de cuidado das autoridades com o desempenho dos bancos que quebraram, já que não atendiam prioritariamente o grande público e o varejo em geral e, em certa medida, não representavam grande risco. Contudo, há um sinal de alerta ligado.

Muito embora os ativos das instituições financeiras que quebraram sejam, em termos monetários, relativamente pequenos se comparados com os grandes bancos do sistema financeiro dos EUA, o colapso de suas estruturas trouxe à tona alguns fantasmas adormecidos desde o resgate das instituições financeiras realizado pelos EUA após a grande crise de 2008, que resultou na quebra de algumas instituições, dentre as quais o até então poderoso e sólido banco Lehman Brothers, e na recessão mundial que durou anos até ser parcialmente contornada.

O primeiro grande fantasma que foi despertado diz respeito ao medo. O simples receio de que as consequências da crise de 2008 se repitam já gera enormes calafrios em muitas pessoas ao redor do mundo. Isso porque os efeitos da crise do subprime da primeira década dos anos 2000 resultou em enormes dificuldades financeiras para muitas empresas e pessoas do planeta, com sérias consequências em indicadores de emprego, renda e bem-estar social.

Ainda que, ao contrário de 2008, as autoridades dos EUA tenham agido com vigor e prontidão após a quebra do SVB e do Signature, e que as causas da crise de 2008 sejam distintas dos fundamentos que levaram à quebra recente dos mencionados bancos, o mero receio de que algo ao menos parecido com o ocorrido em 2008 e nos anos seguintes na economia mundial possa ocorrer novamente já gera incertezas, dúvidas e, para alguns, pânico – e o ser-humano detesta incerteza, dúvida e pânico.

Adicionalmente, o segundo fantasma que mostra sua face após a quebra bancária em questão diz respeito à solidez sistêmica dos bancos, não só nos EUA como, também, na Europa, na Ásia e nos demais mercados mundo afora. Se a economia mais forte e desenvolvida do planeta, com toda a regulação e controle que uma estrutura assim demanda, não conseguiu evitar a quebra de duas instituições financeiras, quem garante que outros esqueletos não estejam escondidos e, pior, não sejam sequer ainda conhecidos, nos armários de outros bancos do mundo capitalista em que vivemos? O Credit Suisse, um banco tradicional e até então sólido, passa por enormes dificuldades no momento em que esse artigo é escrito. Ninguém está totalmente à salvo, ainda que muitas autoridades e os próprios bancos venham a público dizer que está tudo bem.

Nesse sentido, verifica-se que, assim como o “efeito borboleta”, um acontecimento isolado e, até então, considerado inofensivo sistemicamente em um canto do globo pode, aos poucos ou de repente, afetar todo o planeta, ainda mais quando se trata de sistema financeiro, altamente globalizado e adepto, no geral, a operações arriscadas, e de um setor como o bancário, que não apenas depende fortemente da solidez financeira como, principalmente, da reputação para ser bem-sucedido nos negócios. Uma mera suspeita de irregularidade ou fragilidade pode derrubar gigantes nesse setor, e arrastar consigo muitas pessoas, empresas e sonhos. Vamos acompanhando os próximos acontecimentos.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e consultor. Contato: [email protected]).

Publicado na edição nº 10.742, sábado a terça-feira, 18 a 21 de março de 2023