A recente decisão do ministro Alexandre de Moraes, proferida no âmbito do Inquérito Policial 4781 no Supremo Tribunal Federal (STF), que está em curso desde 2019 para investigar a disseminação de Fake News, gerou grande repercussão. Entre as medidas, destaca-se a suspensão das operações do X (anteriormente conhecido como Twitter) no Brasil, além da imposição de multa de R$ 50 mil para usuários que utilizarem VPNs (Virtual Private Networks) para contornar o bloqueio. Essa decisão estabelece um precedente jurídico inédito no país, levantando questões sobre a regulamentação digital e o impacto direto na segurança corporativa.
Embora o Marco Civil da Internet preveja a possibilidade de suspensão de atividades de provedores, o STF já se manifestou anteriormente, como no caso do WhatsApp, sobre a impossibilidade de uma suspensão irrestrita das atividades. Além disso, tornou-se comum que plataformas sejam apenas notificadas sobre o bloqueio, sem acesso à decisão para verificar se os requisitos legais foram atendidos. Tal prática pode criar um precedente perigoso, pois impede que as empresas recorram dessas decisões, conferindo legitimidade apenas aos usuários, que, muitas vezes, sequer são informados.
Esse cenário abala o princípio do contraditório e gera insegurança jurídica para empresas de tecnologia, comprometendo não apenas a liberdade de expressão, mas também o próprio direito de acesso à informação. A falta de clareza sobre o uso de VPNs, que são ferramentas essenciais para a segurança da informação, torna a decisão do STF ainda mais preocupante. O bloqueio dessas redes, incluindo sua remoção das lojas virtuais, afeta diretamente empresas e indivíduos que dependem de VPNs para garantir uma conexão privada e segura, com respaldo na legislação de telecomunicações.
A interpretação de que uma empresa estrangeira que presta serviços no Brasil, como provedores de aplicação, deva ter representação legal no país, torna-se um ponto controverso, especialmente diante do cenário atual, em que grande parte dos serviços consumidos no Brasil são oferecidos por empresas sediadas no exterior sem presença física no país. Esse entendimento vai de encontro com o Regulamento de Transferência Internacional de Dados, definido pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), esclarece que a coleta internacional de dados não caracteriza uma transferência internacional. Isso abre espaço para novas discussões, especialmente no que tange ao cumprimento de ordens do Judiciário por empresas sediadas fora do Brasil.
Adicionalmente, o bloqueio de bens e ativos de empresas que não estão diretamente envolvidas no caso, sem observância do procedimento adequado, pode gerar um desestímulo significativo a investimentos no Brasil. Embora tanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o STF admitam a possibilidade de aplicação de medidas cautelares no processo penal, com respaldo no Código de Processo Civil, a desconsideração da personalidade jurídica exige o cumprimento de certos procedimentos, o que nem sempre tem sido observado.
Por fim, a decisão do ministro Alexandre de Moraes ao proibir o uso de VPNs no Brasil cria um marco importante. Se por um lado a medida foi tomada no contexto específico do X, suas implicações se estendem à segurança corporativa e à proteção de dados, temas críticos no ambiente digital atual. As VPNs, amplamente utilizadas para criptografar dados e proteger a privacidade, são ferramentas fundamentais para empresas que operam em múltiplas jurisdições.
O futuro das regulamentações digitais no Brasil dependerá de um equilíbrio delicado entre segurança, privacidade e liberdade de acesso. O debate precisa avançar, considerando as complexidades do mundo digital e as necessidades das corporações e dos cidadãos que dependem de uma internet aberta, segura e protegida.
(Colaboração de Rodrigo Toler, advogado de Privacidade e Proteção de Dados no Opice Blum, Bruno Advogados, Mestre em Direito, Tecnologia e Desenvolvimento pelo IDP. Email: [email protected]).
Publicado na edição 10.872, quarta, quinta e sexta-feira, 11, 12 e 13 de setembro de 2024 – Ano 100