Terror infantil

José Renato Nalini

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Nossa era está vivendo um verdadeiro apocalipse climático. Quem diria que o Rio Grande do Sul enfrentaria catástrofes de tamanha dimensão? O pior, é que isso pode acontecer de novo e em qualquer lugar do mundo. Inclusive no Brasil.

Nenhuma cidade, por mais zelosa que tenha sido sua administração, pode estar a salvo se as precipitações pluviométricas atingirem os índices gaúchos. Ouvi de um geólogo, estes dias, que Nova Iorque estaria totalmente submersa se recebesse chuva igual.

A roteirista Flávia Boggio valeu-se das circunstâncias para reescrever contos infantis, agora sob a vertente das mudanças climáticas. Assim é que o “Chapeuzinho Vermelho”, em vez de encontrar a floresta, encontrou um deserto. A área foi devastada pela parte ogro do agro. Ainda foi acusada de ser comunista, por causa da cor de seu chapéu. Nem encontrou a avó, que morreu porque seu plano de saúde foi cancelado.

“Branca de Neve” não adormeceu, mas morreu com a maçã contaminada por agrotóxicos. “Os Três Porquinhos”, diante da especulação imobiliária, só conseguiram comprar um único estúdio de dez metros quadrados. O lobo derrubou-o facilmente, porque as paredes são de drywall. E jantou os três porquinhos.

Quanto à “Cigarra e formiga”, esta alertou a amiga: prepare-se para as chuvas. A cigarra debocha e diz que tem mais o que fazer, inclusive devorar a vegetação local, prestigiar o agronegócio e privatizar os formigueiros. Mas a chuva chegou e inundou tanto a casa da cigarra, como todos os demais formigueiros.

Outras histórias podem ser contadas assim. “João e Maria” também não se perdem na floresta, mas no deserto. O “patinho feio” não tem mais lago para se mirar quando se transformar em cisne. O “gato de botas” é agora o “gato de galochas” e a “Sereiazinha” não consegue mais ficar no mar, contaminado por plásticos e por substâncias químicas despejadas de forma inclemente, assim como o esgoto doméstico do saneamento que não se faz.

Até o encanto da infância se compromete com a fealdade do mundo que os adultos estão construindo, o planeta sem água, sem verde, sem vida. É isso o que nós queremos para as nossas crianças? E o que estamos fazendo para que isso não aconteça?

Quantos viveiros de mudas tem sua cidade?

Toda cidade do mundo precisa ter o seu viveiro de mudas. Aquela que não tiver, precisa contar com a legítima exigência da população para que a autoridade municipal providencie a criação e implementação.

Na verdade, seria necessário que existissem vários viveiros. Algo correspondente às emergências climáticas, que só podem ser enfrentadas mediante o plantio de inúmeras árvores, em todos os espaços que restaram. Sim, em algumas cidades, a volúpia da ocupação com cimento e concreto de todos os espaços, a ausência de cobertura vegetal é uma doença que agrava os efeitos das mudanças climáticas.

Em vários municípios, verdadeiros heróis mantêm, por sua conta, viveiros particulares. São os amantes da flora que, por tabela, se tornam também amigos da fauna silvestre. Muitos animais dependem das árvores e do que elas produzem.

Um viveiro serve para multiplicar as mudas, de maneira a propiciar a renovação da cobertura vegetal da cidade. Mas serve também para a educação ambiental. Os responsáveis são os verdadeiros professores ecológicos, que ensinam como e onde plantar, além de explicar a espécie da planta e suas características.

Um bom viveiro será também a escola de produção e seleção de sementes. Estas que, em geral, são perdidas porque as árvores das vias públicas nem sempre têm um trabalho de coleta. As sementes são varridas e jogadas aos lixões ou aterros sanitários. Quando poderiam germinar e tornar mais verde e mais bonita a paisagem, sem falar nos trabalhos ecossistêmicos prestados pelas árvores.

Quando uma cidade possui um viveiro, este precisa ser visitado por todos os munícipes. Pelas escolas, para mostrar às crianças a importância do cultivo de espécies, principalmente as nativas da Mata Atlântica, o nosso bioma. Pelos que já cultivam plantas em seus jardins, hortas e pomares, verdadeiras instituições que desapareceram nas cidades sem alma, porém subsistem nos municípios que souberam preservar suas melhores características. Estes “amigos da flora” já são convertidos. Podem ajudar a disseminar a consciência ambiental para mais evangelizadores da natureza.

E então? Convencido de que um viveiro é essencial? Melhor ainda se forem vários. Afinal, quantos viveiros de mudas a sua cidade possui?

(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).

Publicado na edição 10.866, quarta, quinta e sexta-feira, 21, 22 e23 de agosto de 2024 – Ano 100