Um enterro e uma contradança

José Renato Nalini

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Manuel Antonio Álvares de Azevedo foi um dos jovens poetas que cursaram Direito na São Francisco e que integraram aquilo que Lygia Fagundes Telles chamava de “a escola de morrer cedo”.

Um de seus colegas de classe, Albino José Barbosa de Oliveira, no livro “Memórias de um Magistrado do Império”, narra o acontecido:

“Adoeceu gravemente o estudante Manuel Antonio Álvares de Azevedo, raro talento com quem eu estreitara relações em São Paulo e morreu aos 25 de abril desse ano de 1852.

Enterrou-se a 26, e nesse dia também se enterrou o filho do Marquês de Olinda. Era o único filho varão do então Visconde de Olinda. Foi vítima da febre amarela, aos catorze anos, já bacharel pelo Colégio Pedro II. Apareci em ambos, mas só podendo acompanhar um, acompanhei o do Maneco, que foi sepultado no cemitério provisório do Hospício de Pedro Segundo. O Doutor Macedinho, Joaquim Manuel de Macedo, há pouco falecido, recitou um belo discurso laudatório que terminou pela poesia – “Se eu morresse amanhã” – trinta dias antes feita pelo Maneco. Todos choraram”.

O Conselheiro Albino foi para casa muito triste. Mesmo assim, era noite de Baile do Cassino, o famoso Cassino Fluminense, onde depois foi o Clube dos Diários e, posteriormente ainda, o Automóvel Clube. “Resolvi ir, mas não dança. Com efeito, estava eu triste a um canto, quando a Imperatriz Tereza Cristina, vendo-me, abaixou-me a cabeça. Levantei-me logo e acorri ao lugar onde estava Sua Majestade, que teve a bondade de perguntar por Isabelinha (a esposa) e pelas meninas, o que fez com que a conversação naturalmente caísse sobe o fato recente do falecimento dos meus filhos em Campinas (o casal perdera dois meninos havia pouco). Ela mostrou-se muito penalizada”.

Em seguida, o Barão de Nogueira da Gama disse que o Imperador havia escolhido o Conselheiro Albino para dançar com a Imperatriz a quarta dança. E assim, no dia do sepultamento de Álvares de Azevedo, ainda de luto pela prematura perda de dois de seus filhos, o magistrado que mais tarde presidiria o Supremo Tribunal de Justiça, teve o consolo de dançar com a Imperatriz.

Quem é realmente feliz?

O dia internacional da felicidade foi celebrado a 20 de março. Para comemorar a data, o Instituto Cidades elaborou o Mapa da Felicidade, surgido pela primeira vez em 2004. A pesquisa de capo ouviu quase seis mil pessoas em onze regiões do Estado de São Paulo e apurou que o principal ingrediente da sensação paulista de felicidade é a espiritualidade.

A avaliação do índice de felicidade foi feita mediante associação com os chamados “Pilares da Vida”, que são espiritualidade, satisfação com a vida, família, comunidade, saúde, lazer, relacionamentos, trabalho, segurança, finanças e governo. Enquanto a espiritualidade foi o item mais destacado, o governo explicaria o nível mais baixo na sensação que alguém pode nutrir quanto a ser ou não feliz.

A percepção de felicidade é muito subjetiva. Por isso, a avaliação se fez mediante proposta de que o entrevistado definisse o nível de felicidade que estavam a sentir, e os atributos que mais interferem nessa sensação.

Os pesquisadores se surpreenderam com o dado de que não há correlação direta entre renda e sensação de felicidade. Pessoas com renda familiar mensal abaixo de R$ 1.320 se classificaram “muito felizes” num percentual significativo: 44%. Enquanto isso, pessoas com renda familiar acima de R$ 13.200, registraram 37% de felicidade.

Também se verificou que os idosos têm um nível de felicidade superior ao aferido em 2004, assim como as mulheres, que parecem se sentir mais felizes do que os homens.

A preocupação com a felicidade é importante, sobretudo para que pessoas reflitam sobre o fato de serem fatores benéficos para os seus semelhantes ou se existem para tornar ainda mais infelizes os já desgraçados. Se o elemento mais importante para descobrir se alguém é feliz é a espiritualidade, é preciso também meditar sobre o que as pessoas pensam que espiritualidade é. Na verdade, é um sentimento vinculado à consciência de que a vida humana é efêmera e frágil. Vive-se um tempo impreciso, que não nos é dado escolher quando começa e quando acaba. Só sabemos que acaba. E, nesse percurso, nossa missão deveria ser tornar felizes as outras pessoas. A melhor forma de ser feliz é essa: fazer feliz o outro.

Quem se doa a causas não egoísticas adquire um status distanciado da matéria, do consumismo, do narcisismo e de outros “ismos” que tornam a própria vida um exercício de infelicidade.

(Colaboração de José Renato Nalini, Diretor-Geral da Uniregistral, docente do Programa de Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras).

Publicado na edição 10.751, quarta, quinta e sexta-feira, 26, 27 e 28 de abril de 2023