Um futuro nada hospitaleiro

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Dizer que as últimas décadas foram marcadas pelo acúmulo de gases na atmosfera responsáveis pelo aumento do efeito estufa não é nenhuma novidade. Desde o início da década de 1980 cientistas no mundo todo despertaram para essa questão realizando inúmeros estudos atmosféricos e climáticos, os quais extrapolaram o meio científico para bater à porta da sociedade.

Embora desinformada ou mal informada, ao menos uma parcela da população tem plena consciência de que judiar da natureza pode causar um declínio irreversível da qualidade de vida em nosso planeta. Pecado é essa parcela não ser determinante para a diminuição da utilização dos combustíveis fósseis bem como para a mitigação das devastações das florestas.

As mudanças do passado

O nosso planeta vem passando, ao longo dos últimos três milhões de anos, por eras glaciais durante as quais grande parte do hemisfério norte fica recoberta por calotas de gelo. Essas eras são separadas por períodos interglaciais curtos e quentes.

O motivo básico para esse revezamento de épocas muito frias e épocas mais quentes se dá pelos movimentos da Terra, principalmente um movimento pouco conhecido das pessoas chamado movimento de precessão. Para entendermos esse movimento devemos imaginar o movimento de um peão de brinquedo bamboleando instantes antes de cair e parar. A Terra, embora continue firme em seu movimento de rotação, realiza o mesmo bamboleio que o peão a cada 22 mil anos. Esse movimento (que muda o ângulo de incidência do raio solar sobre a superfície terrestre) provoca ora um resfriamento – era glacial – ora um aquecimento – período interglacial – em nosso planeta.

Em teoria, hoje deveríamos estar vivendo uma nova era glacial iniciada aproximadamente há 5 mil anos. Os motivos pelos quais não estamos soterrados no gelo recaem principalmente sobre a expansão da industrialização e a devastação das florestas, que como dito no início do artigo, têm contribuído sobremaneira para o aquecimento global.

Entretanto, William Ruddiman, geólogo marinho e professor emérito de ciências ambientais na Universidade de Virgínia, tem uma outra tese sobre o fato de estarmos vivendo um período interglacial bem prolongado. Em sua opinião, a agricultura de oito mil anos atrás iniciou um processo de emissão de gases estufa na atmosfera terrestre, impedindo o surgimento de uma nova era glacial. Controvertida e polêmica, a tese de Ruddiman descreve detalhes sobre o clima e sobre a história da agricultura ao longo dos últimos 10 mil anos, fazendo uma correlação que de certa maneira explica porque hoje vivemos em um ambiente propício à expansão humana.

Os agricultores primitivos

Os estudos do professor Ruddiman analisaram, entre outros elementos, as bolhas de ar aprisionadas no gelo desde oito mil anos até os dias atuais. Em paralelo foram traçados os principais marcos da história da agricultura, desde o seu surgimento há 11 mil anos pelos povos primitivos da mesopotâmia e da China, à moderna agricultura contemplada nas últimas décadas.

Os resultados foram os seguintes: há oito mil anos os últimos europeus da idade da pedra começavam a eliminar florestas para cultivar trigo, cevada e outras plantas não nativas. Por sua vez, as bolhas de ar dessa mesma época revelam um substancial aumento de concentrações de dióxido de carbono (gás-estufa) na atmosfera, revertendo uma queda linear que vinha ocorrendo há milhares de anos.

Ainda na história, há 7.500 anos os humanos já estavam adaptando o arroz selvagem para o cultivo e há cinco mil anos agricultores no sul da China começavam a inundar terras baixas próximas a rios para plantar arroz. As bolhas de ar dessa época indicam que a tendência de queda na concentração do gás metano (outro gás-estufa) na atmosfera, sofreu uma mudança abrupta para cima. A mudança nas tendências de queda dos gases-estufa para um radical aumento impediu de fato que a era glacial iniciasse um novo ciclo na Terra há cinco mil anos.

Embora tal teoria pareça muito plausível, não agrada nem gregos e nem troianos. Os céticos afirmam que esses estudos são uma boa evidência de que os gases-estufa gerados por atividades humanas tiveram papel benéfico na manutenção de um clima hospitaleiro na Terra. Já os ambientalistas imprimem um fatalismo maior ao indagarem o que os humanos serão capazes de fazer no futuro, se há cinco mil anos conseguiram mudar substancialmente o clima do planeta desprovidos de qualquer tecnologia sofisticada.

Todo caso, a bola de cristal da ciência ainda não é capaz de responder com exatidão o que o futuro nos promete, mas, a se manter as tendências de desagravo à natureza, nos parece que não será nem promissor e nem hospitaleiro. Que herança vergonhosa estamos deixando, não é mesmo?

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição 10.632, de 15 a 17 de dezembro de 2021.