Uma via esburacada

José Mário Neves David

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O Brasil vem assistindo nos últimos meses as ações político-partidárias em torno de projetos visando a eleição para Presidência da República no quadriênio 2023-2026. Partidos políticos têm se movimentado para costurar acordos, formalizar parcerias e chapas – e, eventualmente, federações, a grande novidade das eleições de 2022 – que viabilizem projetos presidenciais competitivos para escrutínio público em outubro próximo.

Muito embora as eleições desse ano sejam responsáveis pela escolha de cinco mandatos, quais sejam, de deputado estadual, governador, deputado federal, senador e presidente da República, é inegável que a eleição desse último cargo é a que mais movimenta a opinião pública, a que mais desperta paixões e rejeições e a que, em tese, mais aglutina ou dissipa forças em torno de um projeto de poder e de governo.

De acordo com as pesquisas de intenção de voto já realizadas, hoje se nota no eleitorado nacional uma tendência à polarização na escolha do mandatário da nação. Dois pré-candidatos, um ex-presidente e o atual ocupante da cadeira, encontram-se bem à frente dos demais postulantes ao cargo nas intenções de voto expressas pela população consultada. Os dados, contudo, indicam forte rejeição dos mais bem colocados, de forma que, em tese, ainda haveria espaço para o surgimento de uma candidatura alternativa competitiva até o pleito de outubro, desde que houvesse unidade em torno de um nome forte e que aglutinasse os eleitores que não querem cair na armadilha da polarização. Só que faltou combinar com os partidos políticos.

O que se observa na realidade das pré-campanhas é uma miríade de equívocos, falhas e desgastes em torno de nomes que, talvez, poderiam representar uma alternativa de centro, em um pleito que deve coroar a velha e desgastada falácia da direita versus a esquerda. Uma bobagem que só atrasa o desenvolvimento do País.

Os candidatos ditos “do centro” estão batendo cabeça há meses, fingindo uma unidade que nunca existiu no mar de vaidades que permeia a política. A chamada “Terceira Via”, que poderia contribuir sobremaneira para o duro debate político que vai tomar conta do Brasil a partir de julho, não engrenou, deixando órfãos e desesperançosos milhões de eleitores que rejeitam o populismo, a bananice e a impunidade. Essa turma provavelmente vai ter que escolher, novamente, o “menos pior”, e o Brasil vai continuar atolado por, ao menos, mais quatro anos. Nossa tendência ao Sebastianismo, que nos faz acreditar a cada quatro anos que um(a) salvador(a) virá nos tirar do atoleiro e nos conduzir ao progresso, relega nosso País ao atraso e a uma esperança que, ao fim e ao cabo, não enche a barriga de ninguém.

Nesse contexto, fica claro que a briga de egos entre os candidatos da “Terceira Via”, somada a um conjunto de traições e puxadas de tapetes por parte dos partidos políticos e de algumas lideranças políticas, está, aos poucos, surrando a democracia, ao alijar do debate político um(a) candidato(a) que poderia contribuir, e muito, ao debate nacional, oferecendo uma alternativa ao que já foi apresentado aos cidadãos brasileiros nos últimos anos. Na democracia, quanto mais opções, melhor para o eleitor, que pode escolher entre diferentes candidatos(as) ao invés de ter que se contentar com “o menos pior”.

Todos os pré-candidatos, independentemente do partido ao qual estão ligados ou às ideias as quais propagam, têm suas virtudes e seus defeitos. A maioria vence em uma democracia, e quem ganhar deve governar para todos. Porém, o alijamento de potenciais candidatos da corrida eleitoral apenas joga contra a democracia e a livre escolha do eleitor. Será muito melhor se a “Terceira Via” estiver no jogo na campanha presidencial, seja lá quem for o seu ou a sua representante, mas, pelo que se viu até agora, parece que a via em questão é apenas mais uma via esburacada do Brasil.

(Colaboração de José Mário Neves David é advogado e consultor. Contato: [email protected].)

Publicado na edição 10.660, de sexta a quarta-feira, de 15 a 20 de abril de 2022.