Vida longa à nossa centenária senhorinha

Wagner Zaparoli

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Eu tinha cerca de 6 ou 7 anos quando comecei a ter consciência da existência da Gazeta de Bebedouro. Naquela época as edições em papel dominavam o mundo, e em Bebedouro não era diferente. Nas manhãs ensolaradas de domingo, logo após a feira, meus pais se sentavam à mesa da varanda dos fundos e passavam longos minutos lendo e se atualizando sobre as notícias da cidade e da região.

A verdade é que a Gazeta fazia parte do cotidiano da nossa família. Sem ela certamente faltaria algo nas grandiosas manhãs de domingo, assim como a Rotativa Matinal da Rádio Bebedouro durante os dias de semana, perto da hora do almoço.

Esse hábito de leitura que aprendi cedo em casa era valioso. E é impressionante, considerando que meus pais mal conseguiram completar o ensino fundamental. Mesmo assim, eles cultivavam essa virtude que hoje em dia é tão rara entre as famílias e, porque não dizer, entre a população em geral.

Abrindo o jornal

Não demorou muito para eu começar a folhear aquele jornal quase sagrado em nossa casa, claro, sempre depois que meus pais terminavam suas leituras. No início, como toda criança, eu me concentrava nas figuras e imagens tentando entender seus significados. Com o tempo, o desafio de ler as colunas tornou-se um estímulo agradável e até viciante. Depois de abrir o jornal, eu perdia a noção do tempo, que voava. Quando me dava conta, já era hora de saborear a macarronada com muito queijo, acompanhada do frango assado recheado com farofa. E, claro, não podia faltar o irresistível guaraná, cheio de açúcar, mas sempre delicioso.

A Gazeta, a macarronada e o frango se tornaram uma tradição em nossa casa. Como mencionei, sem um desses elementos o domingo simplesmente não era domingo. E, para nossa alegria, nunca faltavam.

Durante mais de 30 anos jamais deixei de ler a Gazeta, mesmo quando morei fora de Bebedouro para estudar e trabalhar. Minha mãe pacientemente guardava as edições antigas para que quando eu voltasse para casa, pudesse ler todas de uma vez. E eu as devorava, uma a uma, até acabar com a pilha acumulada.

Mais do que um leitor

No final de 2001, sendo um leitor assíduo da Gazeta, resolvi arriscar uma ideia que, sinceramente, não acreditava que poderia dar certo: tornar-me seu colaborador. Contei o plano à minha irmã e perguntei a quem eu deveria procurar. Ela prontamente respondeu: “Procure pela dona Sarah”.

Então, reuni toda a minha coragem e fui até a sede da Gazeta, na Antônio Alves de Toledo, onde bati à porta e perguntei por dona Sarah.

“Ela está?”, questionei o atendente.

“Não, mas a filha dela sim,” respondeu ele prontamente. “Quer falar com ela?”, acrescentou logo em seguida.

Pensei assim, eu preciso falar com a dona que é quem resolve. A filha é capaz de nem entender minha ideia (sic!). Mas, já que estava lá, concordei em falar com a filha. E assim fui.

Subindo as escadas até o mezanino, a encontrei sentada a uma mesa abarrotada de material jornalístico, livros, apostilas e outras coisas. Imediatamente me apresentei, e ela fez o mesmo: “Sou a Sarah”.

Em outra dimensão

Meu querido leitor, definitivamente aquele foi um momento mágico que marcou minha vida. Nesse encontro tive a oportunidade e o privilégio de conhecer não apenas uma grande amiga, mas uma parceira de cultura refinada que me ajudou a mergulhar no mundo jornalístico de uma forma que eu jamais sonhara. Ela abriu-me as portas da Gazeta, levando-me a uma nova dimensão de pensamento crítico, sem a qual eu teria sido incapaz de escrever um único artigo.

Isso foi há 22 anos. Hoje, continuamos amigos e parceiros: ela à frente do grande legado construído por Lucas e Juca Caldeira, e eu à frente da coluna Ciências e Tecnologia. Ambos honrados por fazermos parte desse centenário jornal, a nossa querida Gazeta de Bebedouro.

Vida longa a ela!

(Colaboração de Wagner Zaparoli. doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição 10.848, de quinta a terça-feira, 6 a 11 de junho de 2024 Ano 100