‘A Dona do Pedaço’ prova que novela sem ‘barriga’ ainda é possível

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Em tempo - Junto com Carrasco, Duca Rachid e Thelma Guedes também mostram como uma novela no século 21 pode retratar um tema histórico e atual e cultural ao mesmo tempo, sem barrigas e sem parecer que o público está dentro de uma sala de aula. ‘Órfãos da Terra’ é novela das seis, com qualidade de novela das nove, mas isso é assunto para outra coluna. (Rede Globo / Reprodução)

Na quinta-feira (20) fez um mês que ‘A Dona do Pedaço’ está no ar no horário mais privilegiado das novelas da Rede Globo, o das nove da noite. Parece pouco tempo para uma trama que ainda tem longos meses pela frente. No entanto, o autor da novela Walcyr Carrasco prova, a cada novo capítulo, que ainda é possível, no século 21, fazer novelas sem barriga, ou seja, sem enrolação para o telespectador.
Mas como isso pode ser provado? Simples. Em um mês de novela já aconteceu tanta coisa que o público pouco se lembra de ‘O Sétimo Guardião’ antecessora escrita por Aguinaldo Silva. Carrasco sabe muito bem como prender a atenção do espectador e somente está mostrando que é capaz mais uma vez.
No capítulo de quarta-feira (18 de junho) um dos momentos mais triunfais da história aconteceu, Vivi (Paolla Oliveira) e Fabiana (Nathalia Dill) descobriram que são irmãs. São elas as duas meninas separadas, ainda pequenas, nos primeiros capítulos da trama, tiradas da mãe pela família rival.
Outrora, um acontecimento dessa complexidade, que muda todo o círculo da narrativa, demoraria capítulos para ser desvendado. Mas como, em pleno 2019, enrolar o telespectador por tanto tempo? Pergunta difícil para uma pergunta quase sem resposta. Isso parece ser o fim decretado das telenovelas tão consagradas por reunir um mistério por longos meses? Claro que não. Isso se chama reinvenção, novas ideias para colocar nos trilhos deste novo mundo, um clássico folhetim.
Carrasco sabe bem como escrever um folhetim de verdade, já provou isso no ano passado com ‘O Outro Lado do Paraíso’ que terminou com média geral de 39 pontos, a maior desde ‘Avenida Brasil’, novela de João Emanuel Carneiro, exibida em 2012, que também fechou com este saldo. Nesta trama, Carrasco se inspirou no clássico ‘O Conde de Monte Cristo’ para dar o pontapé inicial na história da protagonista Clara, vivida por Bianca Bin e a fórmula deu certo.
Walcyr, por sua vez, já mostrou que inspirações de grandes clássicos cativam o público, foi assim em ‘O Cravo e a Rosa’, adaptação de Shakespeare de ‘A Megera Domada’; ‘Chocolate Com Pimenta’ que foi baseada em uma opereta escrita pelo músico austríaco Franz Lehár, em 1905 intitulada ‘A Viúva Alegre’ e também na peça de teatro ‘A Visita da Velha Senhora’, escrita pela suíço Friedrich Dürrenmatt, em 1956. Às duas tramas, exibidas no horário das seis foram grande sucesso e são lembradas até hoje.
No entanto, essas duas obras foram escritas em épocas em que a internet ainda subia os primeiros degraus no Brasil. Hoje, assistir novela sem comentar na internet o que está acontecendo no capítulo, ou sem criticar o autor por uma falha no roteiro, ou encher o Twitter de mensagens quando o diretor ou a equipe de edição deixa escapar algo na cena. É por isso que uma ‘barriga’ no meio de uma novela ocasiona no maior medo de qualquer produção, a queda de audiência.
‘A Dona Do Pedaço’, sempre é importante lembrar’ chegou em um momento bem conturbado e crítico, já que sua antecessora acumulou uma das piores médias da história do horário das nove. Carrasco apostou, desta vez, em mais uma fórmula clássica, novamente Shakespeare, agora com o famoso conto de ‘Romeo e Julieta’ para esboçar o amor proibido entre Amadeu e Maria da Paz, vividos respectivamente por Marcos Palmeira e Juliana Paes.
O casal protagonista, separado no início da trama pela briga de suas famílias e juras de morte, também já se reencontraram, se acertaram no mesmo capítulo do reencontro e agora enfrentam outros obstáculos, tudo sem enrolação, mas com a fórmula do bom folhetim funcionando. Afinal, os mocinhos estão separados e sofrendo por armações de alguém que não os quer juntos. É ai que entra a figura do vilão, neste caso, da vilã que é a própria filha do casal Josiane (Ágatha Moreira).
Nesta novela, todos os ingredientes estão dispostos. Tudo acontece de forma rápida e ágil. O segredo nasce nesta semana, mas na seguinte já há indícios de sua revelação e não demora muito até que tudo se esclareça e um novo novelo se crie com uma ponta solta para os personagens começarem a desenrolar.
A direção artística a cargo de Amora Mautner consegue dar todo o gás que a narrativa de Carrasco pede. A diretora tem experiência, afinal participou do fenômeno ‘Avenida Brasil’ e ganhou a estatueta do Emmy Internacional com ‘Joia Rara’, em 2015, além de ter conquistado na segunda-feira (17 de junho), o prêmio APCA , como melhor direção pela série ‘Assédio’, produzida em 2018, exclusiva para o Globoplay e que agora é exibida nas noites de sexta-feira, na TV aberta.
Somando o talento de autor e diretora, tem o elenco: Além dos já citados Marcos Palmeira, Juliana Paes, Ágatha Moreira, Paolla Oliveira e Nathalia Dill, ‘A Dona do Pedaço’ reúne nomes como Reynaldo Gianechine, Natália Do Vale, José de Abreu, Débora Evelyn, Malvino Salvador, Caio Castro, Nívea Maria, Sérgio Guizé e Mônica Iozzi, essa em seu melhor momento na televisão.
Ao lado deles, grandes estrelas como Suely Franco, Rosi Campos, Betty Faria, Nathalia Timberg, Rosamaria Murtinho, Marco Nanini, Tonico Pereira, Ary Fontoura e a grande Fernanda Montenegro que fez seus cinco capítulos de participação especial valerem por 200 da novela inteira.
Conclui-se então, que construir uma novela boa, sem barrigas, com acontecimentos que deixem o telespectador sintonizados não é fácil nos dias de hoje, mas é possível, sim. E Walcyr Carrasco prova isso com ‘A Dona do Pedaço’, mesmo reunindo todos os clichês de suas novelas anteriores, sua assinatura está em cada cena, como não poderia deixar de ser. Podemos esperar barracos, puxões de cabelos, guerra de comida e cenas icônicas que com certeza vão entrar para a história. É Walcyr Carrasco, é novela das nove, é escrita para a massa, para o povo e é disso que o entretenimento precisa.
Em tempo: Junto com Carrasco, Duca Rachid e Thelma Guedes também mostram como uma novela no século 21 pode retratar um tema histórico e atual e cultural ao mesmo tempo, sem barrigas e sem parecer que o público está dentro de uma sala de aula. ‘Órfãos da Terra’ é novela das seis, com qualidade de novela das nove, mas isso é assunto para outra coluna.

Publicado na edição de nº 10406, de 29 de junho a 2 de julho de 2019.