A chegada do inverno no hemisfério norte aparentemente parece ser o grande motivador que leva milhares de aves a empreenderem uma jornada desafiadora de muitas semanas, e às vezes meses, cobrindo milhares de quilômetros e atravessando continentes inteiros. Trata-se da maratona da migração. Cerca de um terço das espécies de aves no mundo costuma migrar. Estamos falando, portanto, de bilhões de aves que cruzam a linha do equador em direção aos climas tropicais da América do Sul, Oceania e África.
De acordo com os cientistas, existem os fatores externos – como o clima – e os fatores internos – o ciclo circanual – que estimulam as aves a entender que chegou a hora de se por em marcha. A glândula hipófise dá uma tremenda força à ave na conquista desse objetivo, pois ativa as funções hormonais que produzem uma camada de gordura abaixo da pele, fornecendo-lhe o combustível necessário para a viagem, muitas vezes sem escala. Nesses casos específicos as aves costumam adquirir cerca da metade de seu peso em gordura, o que representa uma excelente reserva.
Longa história
Registros de migrações remontam à Grécia antiga. Aristóteles, aquele filósofo famoso que viveu no terceiro século antes de Cristo, costumava perceber que algumas espécies de aves como o pelicano e o grou migravam, enquanto outras, como o melro e a rola, entravam em hibernação em refúgios bem protegidos. Já no século XVI o ornitólogo francês Pierre Melon frequentemente observava que a chegada do inverno estimulava algumas aves a deixar a França em direção ao norte da África.
A partir de então, vários pesquisadores se puseram a estudar com mais afinco o processo migratório das aves, identificando as espécies que migravam, a época do ano em que o faziam, as rotas que utilizavam e o tempo que gastavam para fechar o ciclo de ida e volta.
Dúvidas no ar
Embora o assunto da migração tenha evoluído substancialmente nas últimas décadas, algumas dúvidas ainda pairam no ar. Uma delas é saber exatamente quais são os fatores de orientação que as aves utilizam durante o voo.
Algumas pesquisas indicam que as aves que voam durante o dia se utilizam da memória geográfica, como os rios, lagos e montanhas. Já para as aves que fazem o seu voo noturno, as constelações estabelecem os pontos de referência e a direção a ser seguida, como mostrou o ornitólogo alemão Frieder Sauer em sua pesquisa com exemplares de currucas.
Algumas espécies de andorinhas possuem um sofisticado sistema de navegação em seu pequenino cérebro que inclui relógio, barômetro, bússola e analisador de luz polarizada. Se deixadas há centenas de quilômetros de sua terra natal, elas conseguem voltar ao ponto de origem dias depois.
Os reis da migração
A jornada empreendida pelas aves no processo migratório lhes impõe muito sacrifício. Da preparação antes da partida até a chegada ao destino, cada ave passa por uma verdadeira provação. Vejam o exemplo do trinta-réis-ártico, uma ave com pouco menos de 40 centímetros que gasta nove meses para vencer os 20.000 quilômetros que separam o Círculo Polar Ártico das cercanias da Antártica. Outro exemplo é o batuiruçu, que percorre 12.000 quilômetros e alcança uma velocidade de 90 km por hora.
O andorinhão-real talvez seja o campeão de voo ininterrupto. Essa ave, que pesa cerca de 100 gramas, costuma deixar a Europa na chegada do inverno e se dirigir à África ocidental numa jornada que leva 200 dias para ser concluída. Pesquisadores do Instituto Ornitológico Suíço acompanharam em 2013 três exemplares e verificaram que nenhum deles pousou durante o percurso. Passaram sete meses no ar batendo asas ou planando e jamais pararam para comer, descansar ou mesmo dormir.
Não fossem as pesquisas publicadas pelos cientistas na revista Nature, diríamos que isso está mais para um conto de pescadores à beira do rio, não é mesmo? De qualquer modo, o fato nos mostra como a natureza é tão poderosa e como ela ainda guarda os seus pequenos segredos.
(…)
Leia mais na edição nº 10103, de 16 e 17 de março de 2017.