A Neuropolítica de manipulação

Marco Antonio Spinelli

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No filme da Pixar de 2015, “Divertidamente”, somos transportados para o interior da mente de uma menina chamada Riley, que está em processo de mudança de sua vida, indo morar com seus pais na cidade grande. Somos apresentados aos Sentimentos fundamentais que comandam a sua Sala de Comando, dentro de sua mente: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojo. A sensação de Repulsa/Repugnância é representada por uma glamorosa moça que torce o nariz para brócolis e colegas pouco agradáveis. O que os autores e os cientistas políticos não sabiam é que essa simpática moça iria se transformar em um Godzilla de manipulação das massas. Não o filme. As áreas cerebrais que processam o Nojo.

Durante a campanha que viria a eleger Barack Obama o primeiro presidente negro americano, em 2008, uma senhora pegou o microfone durante um comício do candidato republicano e adversário de Obama, John McCain. Ela manifestou algumas fake news a respeito do candidato adversário, dizendo que Obama não era de confiança, era um árabe, uma ameaça. John McCain balançou a cabeça e falou: “Não, minha senhora, não. Ele é um homem decente, um homem de família. Não há porque ter medo dele”. Essa cena é da campanha de 2008, e parece que ocorreu em outra era política. A senhora dava voz a um tipo de manipulação muito usada nas campanhas políticas desde sempre: a manipulação do Medo, ou da Raiva, dois membros destacados da Sala de Comando de nosso Cérebro. Parece um sonho que um candidato diga, numa campanha, que seu adversário é um homem de bem, não um monstro devorador de criancinhas. John McCain morreu quando outro republicano, Donald Trump, era presidente dos Estados Unidos. Trump espalhou fake news sobre tudo e todos, inclusive sobre o senador McCain, que proibiu a sua presença em seu funeral. Não queria aquele ser repulsivo à beira de seu túmulo. Foi sua última manifestação como político republicano.

Os estudos mostravam, já naquela eleição, que os eleitores conservadores são mais sensíveis que eleitores progressistas aos estímulos do Medo e do Nojo. São redes neurais mais ativas em situações de estresse, o que torna esse tipo de eleitor mais suscetível a imagens e ideias que estimulem medo ou repugnância. Nessa situação, tendem a procurar situações mais protegidas. Conservadores tendem a ser mais xenofóbicos, isso é, tem mais medo e restrições contra imigrantes ou pessoas diferentes de seus costumes.

Os progressistas apresentam maior ativação de seu córtex Cingular Anterior, portanto conseguem apreciar melhor ideias novas e situações fora de sua zona de conforto. Conservadores tem maior ativação da Amígdalas, estruturas do tamanho de uma ervilha em nosso Cérebro Emocional que processam o Medo. Ela se correlaciona também com a Insula, onde processamos o Nojo. O medo e a repulsa nos tornam menos propensos a lidar com situações de diferença ou ouvir o que outra pessoa tem a dizer. Uma neuropolítica de criação de falsas informações e cenários de ameaça e perigo tendem a assustar mais as pessoas que tem essa resposta aumentada ao medo. Isso significa que todo conservador é um medroso e um tapado, e os progressistas são pessoas mais abertas e inteligentes? É claro que não. Tem gente de ótima e péssima qualidade em todos os matizes de crenças políticas. Mas existe esse conhecimento do ponto fraco de cada eleitor, e isso pode ser usado.

Essa característica do Cérebro Conservador, a alta reatividade ao Nojo, abre e exacerba a resposta ao Medo. Lembro-me da fala da então ministra Damaris Alves, que falava de crianças que eram traficadas na fronteira Norte do nosso país, e tinham seus dentes arrancados para fazer sexo oral em seus abusadores. Ficou com Nojo? Pois é. Essa sensação abre caminho nas áreas do Medo para a pessoa acreditar em qualquer ideia aberrante. Inclusive, que haveria um grande salvador para resgatar as criancinhas. O candidato da ministra é claro. Os adversários? Estariam ao lado dos traficantes de criancinhas.

Da mesma forma que se pode usar a Meditação, para tornar atiradores de elite mais letais, podemos usar as maravilhosas descobertas da Neurociência como arma de manipulação de massas e geração de conflagração entre as pessoas. Cabe a nós, que estudamos o assunto, apontar para esse tipo de horror que navega livremente pelas redes sociais e celulares dos tiozinhos do WhatsApp. Na nossa última eleição pudemos ver os efeitos dessa manipulação e a criação de um mundo imune a se ouvir o ponto de vista de quem é diferente. O resultado teve armas empunhadas na rua e derramamento de sangue.

(Colaboração de Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”).

Publicado na edição 10.796, quarta, quinta e sexta-feira, 18, 19 e 20 de outubro de 2023