Se há algo positivo a se festejar no cenário político-eleitoral que começa a ser povoado com os primeiros protagonistas de 2018 é o corte nos recursos a serem destinados às campanhas. A aprovação de uma verba de R$ 2 bilhões a serem rateados entre siglas não será suficiente para bancar os custos com o aparato eleitoral, a abrigar marketing/propaganda, logística, pesquisas, sistemas de articulação e mobilização. Teremos uma das campanhas mais modestas desde os anos 60, quando candidatos começaram a aparecer nas telas de TV e em discursos no rádio.
É oportuno lembrar que, nas últimas décadas, o marketing trouxe densa camada de artificialismo às campanhas, por meio de um sistema de camuflagem voltado para lapidar a imagem de candidatos. O fato é que os cuidados com a imagem sempre foram objeto de atenção de governantes, imperadores, reis, príncipes, políticos e celebridades. Quinto Túlio, em 64 A.C., foi o precursor das boas maneiras do político se apresentar ao público, ao aconselhar o irmão, Marco Cícero, tribuno romano e candidato ao consulado, a se mostrar como um “homem novo bem preparado para conseguir a adesão entusiasmada do povo”.
No Império Romano, César calculava os gestos públicos. E Maquiavel, com seus ensaios sobre ciência política, já ensinava o Príncipe a divertir o povo com festas e jogos. Luís XIV era um pavão, ao desfilar nos espetáculos que promovia. Napoleão também gostava de se pavonear. Vestiu-se de púrpura quando se coroou para receber a benção do papa em Notre-Dame. Já Hitler foi treinado por um orador chamado Basil em aulas de declamação. Usou a cruz gamada para propagar o nazismo, podendo-se até dizer que o marketing político ganha status sob o comando de Joseph Goebbels, o “marqueteiro” hitlerista.
A engenharia de encantamento das massas aportou no Brasil por volta de 1960, com as primeiras campanhas mobilizando as massas, adotando símbolos, cores e cantos. Jânio Quadros dava ênfase à semântica: olhos esbugalhados, cabelos compridos, barba por fazer, jeito desleixado, caspa sobre os ombros, sanduíches de mortadela e bananas nos bolsos, que comia nos palanques.
Causa estranheza, hoje, a apropriação exagerada do instrumental das artes cênicas pelo ator político. Tal invasão os leva a substituir literalmente os teatros pelos corredores das casas congressuais, a confirmar a previsão de Roger Ailes, contratado por Nixon em 1968 para produzir seus debates na TV: “Os políticos terão de ser, um dia, animais de circo.”
A tendência a disseminar a palhaçada pela seara política é mais que previsível diante de fenômenos que carimbam a vida parlamentar: escândalos envolvendo deputados e senadores, gestos e atitudes aéticos, velhas e novas formas de patrimonialismo. No Estado-Espetáculo, a visibilidade é chave mestra da competição. Não deve causar surpresa o fato de que algumas figuras são exímios na arte de representar.
Um monumental paredão de pasteurização, construído com a argamassa do marketing, nivela partidos e protagonistas.
O marketing, alçado ao altar das coisas mais cobiçadas pelos políticos, criou uma legião. Isso explica a extravagante performance de uns e outros que exercitam a vontade de aparecer na mídia a qualquer custo. Limites da liturgia do cargo são rompidos.
Bom conselho aos apaixonados pela fosforescência das luzes midiáticas é o do general De Gaulle, estadista que procurou preservar a liturgia do poder: “Os maiores medem cuidadosamente suas intervenções. E fazem delas uma arte.” Menos plumas, lantejoulas, penachos, sungas, espadas, vestes de Tarzan, penduricalhos e estilos bombásticos. Mais substância, foco, ações concretas, atitudes firmes. Menos circo e mais política autêntica. A campanha de 2018 poderá caminhar nessa linha.
Colaboração de: Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato