A história da civilização provavelmente não seria relativamente conhecida não fossem personalidades como o grande historiador grego Homero (VIII ou IX a.C.) ter se dado ao trabalho de registrar ora literalmente, ora subjetivamente, as aventuras do homem na Terra utilizando somente as palavras. Não existe memória sem história e a partir de 1826 o tom subjetivo da palavra escrita começou a ceder lugar para a imagem objetiva das fotografias. E como diz o velho ditado “uma imagem vale por mil palavras”, a história a partir de então ficou sensivelmente mais rica e mais precisa, embora deveras manipulada.
Como em outras invenções, a história da fotografia não pode ser creditada a somente um grande inventor num ano específico. Muitos foram aqueles que de forma direta ou indireta estiveram envolvidos na evolução dos processos físico/químicos que fizeram da câmera escura do século XIX o meio mais popular de registrar imagens. Hoje os olhos das câmeras fotográficas podem enxergar distâncias quilométricas bem como nanométricas. Estão nos celulares, nos brinquedos das crianças e até dentro do corpo humano. Das imagens nebulosas e escuras reveladas nos primórdios da invenção, hoje se usa a escala de megapixel para determinar a qualidade de uma foto. A fotografia de fato fez o homem enxergar além de seus limites, além de sua visão finita.
Os primórdios
Antes mesmo de surgir a mais primitiva das câmeras fotográficas já se conheciam os dois princípios básicos que deram vida à fotografia: o óptico e o químico. Entende-se pelo princípio óptico a idéia da câmera escura, um compartimento fechado com apenas um pequeno orifício em um dos lados por onde penetra a luz. Já o princípio químico refere-se a determinados sais, como o de prata, que se escurecem à exposição à luz.
Diz a história que a câmera escura já era conhecida dos chineses desde o século V a.C.. No ocidente o primeiro a descrever esse fenômeno da luz foi o filósofo grego Aristóteles. No século XI da era cristã o matemático árabe Alhazem descreveu como observar um eclipse do Sol no interior de uma câmera escura. Na renascença, Leonardo da Vinci elaborou descrições precisas do princípio e utilidade dela.
Mas quem de fato realizou os primeiros experimentos reunindo os dois princípios foi o inglês Thomas Wedgwood entre 1799 e 1800. Apesar de experimentos limitados, já que Wedgwood não conseguia tornar as imagens permanentes, foi por eles que a fotografia começou a tomar vida, substituindo o trabalho da cópia manual da imagem, técnica difundida e utilizada na época.
Depois de Wedgwood, o próximo marco da história da fotografia aconteceu em 1826, quando o litógrafo francês Niépce conseguiu finalmente criar uma imagem permanente utilizando uma câmera escura e alguns produtos químicos. Niépce morreu em 1833 deixando um grande legado a um outro francês, esse pintor, chamado Louis Jacques Daguerre.
Talvez tenha sido Daguerre, de todos os pioneiros, o grande beneficiado pela invenção fotográfica. Isso porque ele conseguiu vender a sua invenção, que na verdade era um refinamento das idéias de Niépce, ao governo francês mediante uma pensão vitalícia de seis mil francos. Até 1850 o seu método de registrar imagens não teve concorrentes, mas nesse ano surgiu a fotografia em papel, uma verdadeira e definitiva revolução no segmento tecnológico de registro de imagens. Podemos destacar o nome do inglês Frederick Scott Archer como um dos responsáveis por esse feito, já que conseguiu gerar negativos de boa qualidade e nitidez, com um tempo de exposição que variava de 20 segundos a um minuto.
A popularização da fotografia
Embora a fotografia já fosse conhecida do mundo até meados de 1880, ela não era barata e necessitava de especialistas para que fosse feita. Em 1888 o americano George Eastman mudaria essa história ao lançar no mercado a câmera portátil e a empresa Kodak. O slogam da empresa dizia “você aperta o botão, nós fazemos o resto”, um verdadeiro marco na história da fotografia, e por que não dizer, na história do marketing. Isso possibilitou a qualquer mortal que soubesse apertar um botão, registrar as imagens de sua família, de seus amigos e de seu cotidiano. Essa tecnologia de Eastman sobreviveu ao tempo e à evolução tecnológica e só não se manteve absoluta devido à introdução das câmeras digitais que dispensaram os filmes e todo o processo de revelação.
Aqui vale uma observação. Foi a própria Kodak quem criou e lançou a primeira câmera digital em 1975, abrindo uma frente de transformação que varreu o mundo do século XXI como um tsunami. Pena que ela própria não tenha surfado esse tsunami, pelo contrário, foi engolida por ele.
Hoje boa parte da humanidade ignora essa linha do tempo traçada na história da fotografia. Mesmo porque poucos gostam de história e se dão ao trabalho de entendê-la. Mas, sem ela certamente não existiria esse mundo digital que consome profundamente a vida e a mente das pessoas, seja para o bem ou para o mal.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).
Publicado na edição 10.664, de sábado a terça-feira, de 7 a 10 de maio de 2022.