Amigos perigosos

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A rápida urbanização no mundo associada à efetiva evolução tecnológica transformou sensivelmente a vida da sociedade. Não necessariamente para melhor. O ato de caminhar à escola, ao trabalho ou à igreja deu lugar às estressantes jornadas automotivas; as longas conversas familiares ao redor da mesa, na varanda ou na calçada perderam-se entre as inúmeras séries televisivas ou aos infinitos aplicativos nos celulares e tablets; as deliciosas receitas da vovó foram engolidas pelas comidas apressadas de microondas. Resultado: um mundaréu de remédios para tentar reequilibrar o frágil pêndulo da saúde e do bem estar.

Entre os grandes males que afligem a população no século XXI está a hipertensão. De acordo com a Sociedade Brasileira de Hipertensão, essa doença, por si só, é responsável por 40% dos infartos, 80% dos derrames e 25% dos casos de insuficiência renal terminal.

 

Não tem idade

Quem acredita que ela é um problema que atinge apenas adultos, pode começar a rever os seus conceitos. Estudos indicam que crianças e adolescentes podem padecer desse mesmo mal, se não projetarem um esquema de vida saudável que abarque alimentos adequados e práticas esportivas, principalmente. E como essa questão é preocupante, fazer correlações entre as possíveis causas torna-se necessário. Não há espaço para especulações, afinal trata-se da vida de pessoas, da vida de crianças.

A Universidade Federal de Minas Gerais entrou nessa batalha e realizou um estudo publicado no Jornal de Pediatria há alguns anos acerca da relação entre as crianças e a hipertensão. Certamente esse não é um estudo pioneiro ou excepcionalmente inédito, mas possui uma particularidade inusitada: a introdução da variável ‘obesidade’ na relação entre os dois objetos de estudo – as crianças e a hipertensão.

 

O estudo

O universo estudado pelos pesquisadores abarcou 672 crianças entre 2 e 11 anos de idade, sendo 61% estudantes de escolas públicas e 39% de escolas particulares. Essas crianças foram avaliadas por alunos quinto-anistas de medicina, com complemento informacional fornecido pelos pais, tais como histórico familiar e fatores de risco e saúde da criança.

Como a obesidade tornou-se uma variável fundamental ao estudo, o índice de massa corporal (IMC) foi rigorosamente analisado, tanto na sua forma absoluta, como em composição com outras variáveis. A análise do IMC absoluto indicou que 82% das crianças possuíam valores normais para a idade, 14% apresentavam sobrepeso e 4% apresentavam sinais claros de obesidade.

Numa composição entre o IMC elevado e a cor da pele ficou constatado que das 307 crianças brancas, 21% apresentavam sobrepeso ou obesidade; já das 364 crianças não-brancas, 14% apresentavam sinais de sobrepeso ou obesidade.

O estudo também apontou que, com o aumento do IMC, houve um significativo aumento da pressão arterial e revelou que existe uma relação estreita entre níveis mais elevados de pressão e o alto índice de qualidade de vida urbana. Em um único contexto, todas essas variáveis combinadas indicam que desde a infância, a obesidade pode desempenhar um papel comprometedor para o sistema cardiovascular.

Por fim, o estudo aponta que outras pesquisas realizadas fora do país indicam que baixo peso no nascimento, seguido de ganho excessivo na infância e combinado com histórico familiar positivo de hipertensão, são sinais fortíssimos de hipertensão na vida adulta.

 

Os cuidados

Observar, identificar e resolver o problema da obesidade infantil talvez não sejam tarefas destinadas somente aos pais, embora a família que mantenha hábitos alimentares regulares e atividades físicas constantes, ajude substancialmente ao não surgimento do distúrbio.

A escola também deve participar dessas tarefas, ora aplicando um plano de alimentação adequado à idade da criança, ora conscientizando-a da importância de se ter uma vida saudável e regrada.

Mas, principalmente para crianças com idade inferior a dois anos, é fundamental a visita ao pediatra mensalmente para a tomada de medidas. Tais especialistas que utilizam ferramentas como a curva pondero-estatural que correlaciona o peso, a estatura e a idade da criança, podem diagnosticar de forma precisa quaisquer não conformidades no organismo. Crianças acima dos dois anos devem, na medida do possível, visitar o pediatra ao menos quatro vezes ao ano. Afinal, nesse mundo contemporâneo de vidas e tecnologias vazias, assegurar um futuro mais saudável não precisa ou deveria ser considerado um privilégio ou uma obrigação, mas sim, um simples direito do cidadão.