O
grau civilizacional de uma Nação pode ser aferido pela maior ou menor identificação com o sistema do qual faz parte. Que espelho ou sistema podem ser usados para o Brasil ser visto? Tomemos emprestadas duas imagens do Ocidente que o professor Samuel P. Huntington utiliza em seus ensaios. Na primeira, as nações ocidentais dominam a estrutura financeira internacional, manobram moedas fortes, fornecem a maioria dos bens acabados, controlam o ensino de ponta, realizam as grandes pesquisas científicas, dominam o acesso ao espaço, as comunicações internacionais, a indústria aeroespacial e as rotas marítimas, enfim, compõem o maior agregado de bens e serviços do mundo. Na segunda imagem, distingue-se um conjunto de Nações em crise, com parcela de seu poder político, econômico e militar em declínio.
Nesse segundo cenário, apontam-se lento crescimento econômico, alto desemprego, enorme déficit público, baixas taxas de poupança, criminalidade e imensa desigualdade social. Com qual imagem a Nação brasileira mais se parece? Vale lembrar que o País, depois de décadas de inflação alta, tem hoje uma moeda estável. Apresenta bom superávit na balança comercial, chegando a exibir US$ 5,178 bilhões em setembro último, o melhor resultado para o mês desde o início dessa série histórica do governo, em 1989.
Exibe, em alguns setores, tecnologia de ponta; é competitivo em nichos como o agronegócio; tem administrado o risco-País, que havia crescido muito. Em outra escala, exibe péssimo coeficiente (Gini), que mede a distribuição de renda entre indivíduos. Hoje, o Brasil ocupa o 79º lugar entre 188 nações no ranking de IDH, que leva em conta indicadores de educação, renda e saúde, despencando 19 posições na classificação correspondente à diferença entre ricos e pobres. Enterra, anualmente, 60 mil vítimas da violência por armas; apresentou uma taxa de investimento de cerca de 15,6% no primeiro trimestre de 2017 (na China essa taxa tem ultrapassado 45%); somos líder mundial no ranking das taxas de juros e da carga tributária, essa atingindo 37% do PIB.
O que chama a atenção, porém, é o contraste entre os aspectos positivos e negativos do País, usados ora para situá-lo na esfera do Terceiro Mundo, ora para inseri-lo no universo restrito das Nações emergentes, particularmente junto ao grupo chamado de BRIC – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
Se a base territorial é sólida, por que o edifício balança com os ventos que sopram ocasionalmente em ciclos de crise? Porque a estrutura institucional é frágil.
Veja-se a violência que se espraia pelas ruas. Disputas por espaço público se avolumam na esteira da mudança da política: de missão, no conceito aristotélico, virou profissão.
Os donos do poder usam as instituições para reforçar seu sistema de forças. Atente-se para a reforma trabalhista, cujas disposições procuradores do Ministério Público do Trabalho e juízes do trabalho garantem que não irão cumpri-la. Vão romper a lei.
José Ingenieros, o grande escritor argentino, ensina: enquanto um País não é Pátria seus habitantes não constituem uma Nação; quando os interesses venais se sobrepõem ao ideal dos espíritos cultos, que constituem a alma de uma Nação, o sentimento nacional degenera e a Pátria, explorada como indústria, regressa à condição de território bruto.
Podemos aduzir que o Brasil apresenta potenciais de grandeza, mas a imagem da Pátria aponta vazios que não permitem considerá-la Nação respeitada. Os desafios pressupõem a consolidação das instituições sociais e políticas, o que, por sua vez, requer o resgate de valores fundamentais da cidadania, como a educação, a igualdade entre classes, o acesso e a justiça para todos, a harmonia e a paz social, a comunhão de esperanças. Isso é coisa para duas ou mais gerações.
Poderia até encurtar o trajeto, se os homens públicos tivessem vontade política para refundar a República sob o signo da dignidade.
Colaboração de: Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato