Caso Vini Jr.: reflexos na lei penal espanhola e brasileira e o princípio da extraterritorialidade

Eduardo Maurício

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No que tange à Espanha, o caso que envolveu o jogador do Real Madrid, Vinicius Júnior, o “Vini Jr.”, tem como tipificação penal espanhola os crimes de ódio e discriminação e foi denunciado formalmente pelo clube à Procuradoria Geral da Espanha.

Os torcedores do Valencia, equipe rival, podem ser punidos penalmente pelo fato de chamar o jogador de “mono” – macaco em espanhol. Essa não é a primeira vez que Vini Jr. sofre esse tipo de situação. As autoridades espanholas possuem 10 crimes dessa mesma natureza, com o jogador vítima, um verdadeiro absurdo que deve ser evitado na sociedade moderna.

A título de curiosidade, o primeiro episódio no jogo Barcelona x Real Madrid (em 24.10.2021), Vini Jr. foi xingado de macaco, porém os autores não foram identificados e o caso arquivado. No segundo episódio, no jogo entre Mallorca x Real Madrid (em 14.03.2022) torcedores rivais fizeram sons imitando macacos, mas o caso também foi arquivado com fundamentação de que não atingiu a dimensão pública penal. No quarto episódio, no jogo Valladolid x Real Madrid (em 30.12.2022), a La Liga – responsável pelo Campeonato Espanhol de Futebol – apresentou denúncia na Comissão Antiviolência, Comissão da Competição e no Tribunal Judicial de Valladolid, e os infratores foram punidos penalmente. E nos outros 6 casos antigos, todos foram a Tribunal e alguns estão em processo ou já finalizaram, com punições dos infratores.

Os crimes de ódio e discriminação na Espanha estão consumados se a ofensa criminal de qualquer natureza, no caso contra pessoas, se executa em detrimento da sua cor de pele, no caso de Vini Jr. por ter a pele negra.

Esse crime previsto é punido no Artigo 510 do Código Penal da Espanha, notadamente crime cometido contra direitos fundamentais garantidos pela Constituição. Assim, os torcedores do Valencia poderão ser condenados em até 4 anos de prisão, multa, e um possível banimento de comparecer aos jogos e expulsão do quadro associativo do clube.

Com relação ao Brasil, importante analisar, antes de adentrar aos crimes que podem incidir no território brasileiro, a possibilidade emanada pelo Ministro da Justiça, Flávio Dino, de socorrer a medida jurídica excepcional caso as autoridades espanholas se omitirem aos crimes que vitimizam de forma preconceituosa e racista, o jogador Vinicius Jr., que, inclusive, defendeu a seleção brasileira na última Copa do Mundo.

O Ministro da Justiça, através do Itamaraty, quer a aplicação do princípio da extraterritorialidade, ou seja, que nos casos de crimes contra cidadãos brasileiros no exterior poderão ser aplicadas a lei penal brasileira, impulsionando assim o governo espanhol a tomar as medidas judiciais (cíveis e criminais), e administrativas perante a Fifa e a Federação Espanhola de Futebol.

O princípio da extraterritorialidade pode inclusive – em outro caso, a depender – ser utilizado a título de pedido de extradição, pedido de prisão, por exemplo, condenatória em caso de indivíduo com reincidência, e inclusão na Interpol, isso se aplicado o princípio da extraterritorialidade na forma que transpareceu o Ministro da Justiça do Brasil. No Brasil, o crime de racismo, por meio de ofensa discriminatória por causa de cor de pele, já existe, e recentemente o presidente Lula sancionou a Lei n. 14532/2023, em que o crime de racismo dentro dos estádios de futebol tem pena de 2 a 5 anos de prisão, e dobrada se for cometido por 2 ou mais pessoas, com banimento por 3 anos.

Ou seja, uma questão técnica que tem que ser observada é a diferença da injúria racial para o racismo. Na primeira basta uma ofensa como, por exemplo, o ato de chamar uma pessoa de macaco como foi vítima o jogador Vini Jr., pois a intenção é ofender alguém. No racismo tem que ser em detrimento do coletivo, contra um grupo por causa da raça também (japonês, africano) e por corta da pele (negra, amarela) serem impedidos, por exemplo, de frequentar um local, ou serem excluídos de práticas e direitos comuns.

Vale frisar que todos são iguais perante a lei e devem ser preservados os direitos fundamentais, humanos e constitucionais.

Ou seja, com a entrada em vigência da nova lei sancionada pelo presidente Lula, o crime de injúria racial praticado dentro de um estádio de futebol é equiparado ao preceito secundário da pena (com aumento) do crime de racismo.

Entretanto, o preceito primário, apresenta diferenças, como é o caso da tipificação de cada crime. A injúria racial está prevista no Código Penal brasileiro e o racismo na Lei 7716/1989. O crime de injúria racial está previsto e punido no Artigo 140, parágrafo terceiro, com pena de reclusão de 1 a 3 anos e multa. O racismo, nos termos do Artigo 3 da referida Lei própria, possui pena de reclusão de 2 a 5 anos.

Referida lei, sancionada pelo presidente Lula, que entrou em vigência em 11 de janeiro de 2023, altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989 (Lei do Crime Racial), e o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar como crime de racismo a injúria racial, prever pena de suspensão de direito em caso de racismo praticado no contexto de atividade esportiva ou artística e prever pena para o racismo religioso e recreativo e para o praticado por funcionário público.

A conclusão que se chega, é a necessidade de punição de infratores que praticam estes tipos de delitos dentro do estádio de futebol. E, sobretudo, que as mudanças da legislação tornem as sanções penais mais duras (respeitando sempre o princípio da proporcionalidade), a fim de coibir a prática de delitos que envolvem cor de pele (raça e outras) em um esporte como o futebol, dentro e fora dos gramados. Importante ampliar o investimento em câmeras de segurança de reconhecimento facial de última geração para auxiliar na identificação de infratores (que muitas vezes se torna difícil); e, sobretudo conscientização da população moderna em todos os setores, neste caso o do futebol, com políticas de conscientização dos clubes, torcidas e federações sobre estes crimes intoleráveis. As penas devem ser mais eficazes e a luta contra o racismo não pode parar.

(Colaboração de Eduardo Maurício, advogado no Brasil, Portugal e Hungria, presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Internacional da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), membro da Associação Internacional de Direito Penal de Portugal (AIDP – Portugal ) e da Associação Internacional de Direito Penal AIDP – Paris).

Publicado na edição 10.760, quarta, quinta e sexta-feira, 31 de maio, 1º e 2 de junho de 2023