Cine São João, o “palácio encantado” da rua XV: do auge ao ocaso (1929-1982)

José Pedro Toniosso

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O cinema surgiu em Bebedouro na primeira década do século XX quando foi inaugurado o “Bijou-Theatre”, na praça da Igreja Matriz, que entre outros espetáculos, fazia projeção de filmes mudos em alguns dias da semana. Em 1911 surgiu no antigo Salão Martinelli o “Internacional Cinema”, que teve curta existência, sendo que em 1913 seriam inauguradas duas novas salas: o Theatro Rio Branco, na rua São João, esquina com atual rua Oscar Werneck e o Cine Odeon, na praça Barão do Rio Branco.

No dia 12 de junho de 1929, um novo cinema era inaugurado em Bebedouro pela Empresa Teatral Paulista: o Cine São João, na rua XV de Novembro, no. 549. A estreia foi com a película “Pecadora sem mácula” (EUA, 1928), filme mudo estrelado pela atriz Norma Talmadge, considerada na época como a rainha dos filmes dramáticos no cinema mudo.

Conforme relato feito por Messias Moreira em 1984, a abertura do novo cinema resultou no fechamento do Cine Rio Branco, sendo que todos os funcionários foram transferidos para o São João, inclusive a orquestra que tocava durante a projeção dos filmes mudos, sendo composta por Pedro Pelegrino (pianista); Felício de Vito (1º violino); Filhinha (2º violino); Higino Zucchi (flauta); Cavaglieri (contrabaixo) e José Mariano (bateria).

Em seu relato, Messias Moreira, que trabalhava como operador do projetor de filmes, lembra que o Cine São João também teve a primazia de lançar o cinema falado em Bebedouro, com o filme “O Novo Campeão”, (EUA, 1929), com William Haines e Joan Crawford.

Depois de permanecer alguns anos fechado, o Cine Rio Branco reabriu suas portas em 1935, sob a direção da família Canetieri, e desde então ambos procuravam oferecer os melhores títulos para atrair maior público. Tal concorrência fez com que a cidade ficasse sem nenhum cinema durante vários meses do ano de 1950, pois ambos fecharam para reformas. Ainda sob o comando da Empresa Teatral Paulista, o Cine São João foi inteiramente remodelado e ganhou uma nova fachada, sala de espera, tela, cortinas especiais, tapetes, sala de projeção e iluminação indireta, sendo reinaugurado em meados do mês de novembro com numeroso público. Quanto ao Cine Rio Branco, seria reaberto somente no início do ano seguinte. Posteriormente, na década de 1960, o São João também seria adquirido pela família Canetieri.

A partir do final da década de 1970, com a expansão da transmissão televisa, os cinemas começaram a enfrentar uma gradativa redução de público, e em algumas cidades várias salas fecharam suas portas. Em Bebedouro, o Cine Rio Branco tinha passado por uma grande reforma e oferecia maior conforto ao público, com poltronas e aparelhagens novas, o que possibilitou a manutenção de um melhor padrão de filmes, inclusive os lançamentos de maior apelo comercial. Enquanto isso, o Cine São João passou a exibir filmes pornográficos, de lutas e outros de qualidade inferior, o que impactou na redução do público e em dificuldades para sua manutenção.

Diante desse contexto a Empresa Canetieri decidiu pelo fechamento do Cine São João, o que ocorreu no dia 2 de junho de 1982, após 53 anos de funcionamento. Os últimos filmes divulgados na programação semanal inserida nos jornais da época foram: “Shaolin contra os filhos do sol”, que seriam exibidos nos dias 21 e 22 de maio; e “Kung Fu, os abutres da violência”, nos dias 23 e 25 de maio.

O filme escolhido para sacramentar o fechamento do Cine São João foi o filme erótico japonês “O Império dos Sentidos”, de 1976, considerado por muitos como um filme de arte, mas por outros, principalmente no contexto local do início da década de 1980, um filme impróprio e imoral. Sendo assim, Messias Moreira, que fizera a primeira projeção do São João em 1929, se negou a projetar o último antes do fechamento, destacando que este filme só estaria sendo exibido sob mandado de segurança, o que considerava “o fim da picada”.

Após ao fechamento, o prédio do cinema foi o endereço da extinta loja de departamentos “A Modelar”; sede temporária da Empresa de Correios e Telégrafos; templo de igreja evangélica. A loja “Giro Rápido” foi a última a ocupar o antigo prédio, destruído no final de 2013 por um grande incêndio. Sequencialmente esta empresa optou pela demolição da antiga construção e um novo prédio foi erguido naquele endereço.

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense).

Publicado na edição 10.655, de sábado a terça-feira, de 26 a 29 de março de 2022.