O mês de agosto de 2024 marca a data conhecida como Dia da Sobrecarga da Terra, ou Dia do Esgotamento da Terra (em inglês, Earth Overshoot Day). O objetivo da data é chamar a atenção para um conceito de certa forma curioso: o dia da sobrecarga da Terra corresponde ao dia em que a humanidade consumiu todos os recursos que a mesma humanidade teria levado 365 dias para gerar.
O conceito carrega, portanto, uma noção de equilíbrio entre geração e consumo de recursos (incluindo alimentos). De certa forma, como se costuma dizer, é como se o mundo estivesse entrando no “cheque especial” de recursos naturais a partir de tal dia. Dito de outra forma, o planeta Terra leva 365 dias para gerar os recursos consumidos pela humanidade e absorver o lixo gerado a partir das ações humanas desde o início deste ano até o dia 1º de agosto.
Outro dado interessante é que o dia leva em consideração a média global de padrões de consumo dos diferentes países e regiões analisadas. A partir de tal média, o Dia do Esgotamento da Terra em 2024 caiu no dia 1º de agosto. A título informativo, se fosse considerado o padrão de consumo da sociedade brasileira, a data seria 4 de agosto.
Isso porque o padrão de consumo de recursos do Brasil é ligeiramente menor que a média global. Em geral, quanto mais recursos financeiros um país possui, maior o índice de consumo de recursos. Pela média de 2024, seriam necessárias fontes de recursos naturais equivalentes a 1,75 planetas-terra para acomodar o que será consumido pela humanidade até o fim de 2024.
Por outro lado, algumas fontes apontam que se toda a humanidade tivesse o padrão de vida de alemães e franceses (países com elevada pegada ecológica), seria necessário possuir algo em torno de 3 planetas-terra de fontes de recursos para chegarmos até o fim de 2024 sem déficit. Para tais nações, o Dia da Sobrecarga, se avaliado individualmente, teria ocorrido no início de maio.
Se o mundo vivesse conforme os padrões de consumo dos Estados Unidos, então, esse número seria ainda mais alarmante: seria necessário possuir algo em torno de 5 planetas-terra de fontes de recursos para chegarmos até o fim de 2024 sem déficit. Nos EUA, isoladamente, algumas fontes apontam que o Dia da Sobrecarga seria registrado em 14 de março!
Comparativamente, em 2016 o Dia de Sobrecarga da Terra foi registrado em 8 de agosto. E, de lá para cá, a data só tem se antecipado, em uma indicação em potencial de que a relação entre produção e consumo tem sido cada vez mais desequilibrada.
O Brasil, por sua vez, tem alguns indicadores positivos. Segundo dados de 2016, a relação do Brasil (1.8) estava ligeiramente superior à média global (1.6), considerando a medida de quantos “planetas-terra” seriam necessários para atender a demanda anual daquela população. Em 2024, como mencionado acima, os índices brasileiros foram ligeiramente inferiores à média global.
Adicionalmente, o Brasil é conhecido por ter uma das maiores reservas de florestas do planeta, e há dados indicando que a capacidade de renovação dos ecossistemas naturais brasileiros tem se renovado em aproximadamente 6% da década de 70 para cá, apesar do recente recuo de áreas florestadas (potencialmente em conexão com o aumento de áreas agricultáveis).
Apesar do caráter um tanto quanto etéreo do conceito, a noção de sobrecarga da Terra dialoga com um dever imposto a toda a sociedade brasileira, em linha com princípios internacionais de proteção ao meio ambiente: o dever de preservar o meio ambiente em prol das presentes e futuras gerações. É o que determina o artigo 225 da nossa Constituição.
Se, em tese – e como sugere o conceito de esgotamento –, a contínua pressão sobre os recursos naturais do planeta pode levar à escassez definitiva ou a uma inviabilidade (seja econômico-financeira, seja natural) da exploração de determinado(s) recurso(s), vale refletir sobre a intensidade e forma de consumo de tal(is) recurso(s). É dizer: se não se pode aumentar infinitamente a oferta, parece ser o caso de se ajustar a demanda.
(Colaboração de Gabriel Burjailli Oliveira, advogado e professor bebedourense).
Publicado na edição 10.864, de sábado a sexta-feira, 10 a 16 de agosto de 2024 – Ano 100
