Disciplinas colaborativas

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As décadas seguintes à Segunda Guerra Mundial foram extremamente frutíferas para duas áreas do conhecimento: a informática e a biologia.
Talvez devido à própria guerra, que gerou necessidades prementes às nações envolvidas no conflito, a era da informação deu os seus primeiros e tímidos passos logo após o seu final, por volta de 1946, quando foram criados os primeiros computadores. De lá aos dias atuais, certamente não existiu no mundo uma revolução tão avassaladora como a perpetrada pelos computadores. Hoje é mais fácil perguntar onde eles não estão e o que eles não fazem.
A biologia não perde em nada para a informática em termos de evolução. Na genética, por exemplo, a descoberta da estrutura do DNA em 1953 pelos pesquisadores James Watson e Francis Crick permitiu a grande revolução no conhecimento dos mecanismos da vida. Do genoma humano já se conhece 99,99%; do parasita Schistosoma mansoni, 92%; do cão, quase todo genoma; da bactéria que causa acne, todo o genoma já foi desvendado. Os resultados dessas pesquisas têm produzido uma grande quantidade de dados experimentais numa velocidade cada vez maior que estão ajudando a descobrir, por exemplo, as causas e funcionamento de diversas doenças que afligem não só o homem, mas todo o mundo natural. As perspectivas são promissoras, visto que esse processo de descoberta está apenas dando os seus primeiros passos.
Mas, organizar, recuperar e disponibilizar uma massa de dados em grandes redes de computadores espalhadas pelo mundo, permitindo o acesso de pesquisadores das mais diferentes áreas do conhecimento, não é tarefa fácil. A infraestrutura para viabilizar essa necessidade, como não poderia deixar de ser, é fornecida pela tecnologia da informação, popularmente conhecida como informática.
Da junção dessa infraestrutura (software, hardware, protocolos de comunicação, cabeamento, etc.) com a análise matemática, estatística e computacional em biologia, surgiu uma nova disciplina denominada bioinformática. Além da biologia e da informática, a bioinformática congrega as áreas de matemática, estatística, física e química. É notoriamente uma área multidisciplinar.

Os sistemas
brasileiros para
a bioinformática
Dos estudos do verme da esquistossomose – o Shistosoma mansoni – causador da doença que atingiu Bebedouro há alguns anos, surgiram dois programas de computador chamados ESTweb e ZERG. A equipe do laboratório de bioinformática do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) foi a responsável pela construção desses programas. O ESTweb, que rendeu um artigo científico em agosto de 2003 na revista Bioinformatics, tem por objetivo receber e processar os fragmentos de genes ativos gerados a partir de tecidos de um organismo. O resultado desse processamento é colocado em um banco de dados para futura análise.
Já o ZERG, também criação da mesma equipe do IQ_USP, tem um propósito mais analítico, principalmente o de interpretar os resultados gerados por um outro software de domínio público chamado BLAST. Embora existam similares no mercado, o ZERG apresenta uma grande vantagem em relação a eles: processa os dados cerca de 250 vezes mais rápido, característica essencial nos trabalhos de sequenciamento de genoma.
Dos estudos da bactéria Chromobacterium violaceum, abundante no rio Negro e com potencial de uso biotecnológico, nasceu o programa Sabiá, concebido pela equipe do Laboratório Nacional de Computação Científica, situado em Petrópolis. O objetivo do programa é montar grandes genomas de bactérias que precisam ser quebrados em pequenas seqüências para poderem ser estudados.

Parceria do
presente e do
futuro
A genética já está trazendo e vai trazer ainda mais ao homem um autoconhecimento que pode mudar as bases de sua existência e de seu pensamento crítico. É difícil imaginarmos, por exemplo, cenários racistas na cultura e na granularidade do gene. Ao processo de evolução, a colaboração da informática será indispensável, principalmente com o surgimento de novas tecnologias em plena aurora do século XXI. Basta saber se vamos de fato aproveitar esse mundo de conhecimento de forma democrática e justa ou se vamos direcioná-lo em proveito de apenas alguns poucos privilegiados.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

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Publicado na edição 10394, de 15, 16 e 17 de maio de 2019