Discurso não faz chover

José Renato Nalini

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Não se alegue surpresa. O desmatamento inclemente e atroz acaba com a cobertura vegetal. Incêndios provocados, devastação consentida e estimulada em todos os biomas, acarretam consequências previsíveis. A principal delas é a mudança climática.

As chuvas que deveriam repor o déficit nas represas que abastecem esta insensatez de conurbação chamada Grande São Paulo serão muito inferiores à média histórica.

Em 2021, a precipitação pluviométrica já foi 25% menos do que em 2013, o ano em que se registrou a gravíssima crise hídrica em nosso Estado. Há sete sistemas de abastecimento: Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande, Rio Claro, São Lourenço e Cantareira. Todos juntos obtiveram 5,4 mil milímetros de chuva entre janeiro e a primeira semana de outubro de 2021. No mesmo período de 2013, a chuva acumulada chegou a 7,2 mil milímetros, de acordo com a insuspeita SABESP.

Mesmo com o outro reservatórios, o de São Lourenço, e com o reforço advindo da interligação do Cantareira com as represas Jaguari e Atibainha, os sistemas estão 21% mais vazios do que em 2013, informa o Cemaden-Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.

As explicações oficiais culpam La Niña e o resfriamento do Pacífico. Nada disso resolve a falta d’água que afligirá milhões de moradores no mais desenvolvido Estado da Federação. Não se fala em replantio da área devastada às margens das represas e dos rios, não se ouve dizer que os córregos enterrados para ceder espaço para os automóveis vão ser trazidos à tona. São Paulo foi vítima da monocultura que acabou com a frágil cobertura vegetal em todo o seu interior, que iludiu os sitiantes ao verem suas terras arrendadas para, em seguida, se decepcionarem com o descumprimento das obrigações assumidas por quem acabou com a verdadeira autarquia, vocação paulista, para substituí-la por um enorme canavial.

Falar que tudo está sob controle, que não haverá desabastecimento, é a forma política de tentar tranquilizar quem depende de água para subsistir. Mas recuperar áreas que seriam naturalmente produtoras de água, disso não se fala. Não está no horizonte de quem pensa mais em eleição e em continuar a empolgar o poder.

(Colaboração de José Renato Nalini,  reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e Presidente da Academia Paulista de letras – gestão 2021-2022).  

Publicado na edição 10.620, de 27 a 29 de outubro de 2021.