O Brasil é um país embananado. Apesar das inúmeras riquezas naturais, do povo trabalhador e das muitas oportunidades que o nosso mercado oferece, temos que reconhecer que somos um pouco ambíguos. Quando as coisas vão bem, nós trabalhamos firmemente para que desandem; quando as coisas vão mal, fazemos de tudo para melhorar – ou dobramos a aposta no erro. Tem coisas que só acontecem por aqui.
Uma autoridade federal, detentora de cargo na Administração Pública do país e responsável por florestas e biomas, declarou recentemente que “não há o que ser feito” em relação às queimadas que esquentam o clima no Brasil. Ora, se não há o que ser feito, nada, absolutamente nada, nem que seja para reduzir danos e prevenir potenciais focos de incêndios futuros, por que raios temos que manter uma estrutura que, em tese, diz cuidar das florestas e dos biomas? Mais barato e eficiente seria destinar os profissionais, o espaço e os recursos ali empregados para o cumprimento de outros objetivos mais factíveis, afinal, nada pode ser feito, nas palavras dos próprios servidores. Estamos gastando dinheiro, tempo e energia com nada. É no mínimo curioso.
Como o Brasil é um país complexo, o Ministro dos Direitos Humanos foi acusado de assédio por algumas mulheres com as quais interagia, por força do cargo que ocupava. Logicamente, o agora ex-ministro tem o direito constitucional de se defender das acusações e, no Estado Democrático de Direito, ou o que sobrou dele, somente após a condenação definitiva é que alguém pode ser considerado culpado por algo, ainda que as provas sejam contundentes. O que chama a atenção nesse caso é que, fora o fato do responsável pelos direitos humanos no país ter sido afastado por força de acusações graves de assédio, o que por si só já é tragicômico, o tratamento dado ao caso e ao personagem envolvido foi ambíguo. Com algumas pessoas, basta surgir uma denúncia que a acusação da vox populi é instantânea; com outras, acontece o festival do “veja bem”, “temos que aguardar as apurações”, “é cedo para qualquer conclusão”. Não se trata de culpar ou absolver ninguém de antemão, quem quer que seja, mas sim de tratar a todos com a mesma régua, caso contrário a hipocrisia reina livre.
Contudo, mais recentemente, a cereja do bolo tem sido a atuação do Poder Judiciário e de autoridades da nossa surrada República. Tem ocorrido um festival de decisões abusivas, as quais minam a credibilidade das instituições e corroem por dentro a nossa jovem e já problemática democracia. Sem adentrar ao mérito das discussões, observa-se a aplicação de medidas desproporcionais e, pior, inconstitucionais em casos de grande repercussão, abrindo perigosos precedentes na jurisprudência das nossas cortes. No mais, é engraçado ver autoridades pedindo censura em eventos que visavam combater a censura e defender a liberdade de expressão, ao menos no papel. Quando se trata de democracia, ampla, irrestrita, não existe ideologia nem relativização: o que é certo, é certo, e o que é errado, é errado. Comemorar uma decisão esdrúxula que afete “o outro lado” é, digamos, sem sentido, já que o pau que bateu no Francisco hoje, pode bater amanhã no Chico, inclusive mais forte e mais vezes.
Temos que defender o que é certo, lutar pelo que é correto, independentemente das nossas preferências e interesses pessoais. Essa é a base da República, e se essa base for corrompida, o prédio começa a afundar, ficar torto, até cair. Não podemos nos embananar; faça a sua parte e trabalhe por um país melhor.
(Colaboração de José Mário Neves David, advogado, conselheiro e consultor. Contato: [email protected]).
Publicado na edição 10.876, de sábado a terça-feira, 28 a 30 de setembro e 1º de outubro de 2024 – Ano 100