Enem 2013: Maior dificuldade no que deveria ser fácil

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Tadeu da Ponte

Um dos pontos mais destacados por estudantes, professores e demais educadores nos últimos anos é a constatação de que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) vem se tornando cada vez mais “difícil” e cobrando mais conteúdos. Em 2013, não foi diferente, e percebemos que a análise está ainda mais rigorosa, o que não quer dizer que a prova foi realmente mais difícil.
Dois exemplos são muito interessantes para falar da dificuldade apontada por educadores e alunos. No primeiro, encontrado em Ciências Humanas, o exame oferece a descrição de uma paisagem típica do Nordeste, com base em um trecho de Os Sertões, de Euclides da Cunha, e pede qual o tipo de vegetação é predominante no local, no caso, a xerófila. Para poder responder, o candidato deveria, primeiro, saber que a caatinga é predominante na região e, posteriormente, que a vegetação xerófila compõe esse ambiente. Esses conhecimentos, isoladamente, eram necessários, mas o aluno somente resolveria a questão se identificasse no texto o conceito aprendido em geografia.
O Enem é um exame que se baseia em uma matriz de 30 habilidades e, se observarmos a 26ª, que é “identificar em fontes diversas o processo de ocupação dos meios físicos e as relações da vida humana com a paisagem”, certamente não nos surpreenderia a questão acima. Um aluno poderia saber todos os tipos de composições botânicas possíveis, mas se não conseguisse identificar num texto que relaciona “a vida humana e a paisagem” um dos tipos de vegetação mais comuns em uma parte considerável do Brasil, não resolveria a questão. Esta forma de raciocinar, relacionando diferentes conhecimentos, é o que o Enem mais valoriza.
Outro exemplo, em Ciências da Natureza, é brilhante. A questão apresentava num problema uma garrafa pet cheia de água, com três furos em diferentes alturas. Ao destampar a garrafa, quanto menor a altura, maior o espirro de água pelos furos. O conteúdo cobrado poderia ser descrito apenas como hidrostática. Uma questão que não requeria contas, nem fórmulas. Era necessário apenas entender o fenômeno, perceber como a pressão atmosférica atua na garrafa se anulando, e identificar que a diferença entre as velocidades dos jatos se dá por causa da pressão da coluna de líquido na garrafa.
Tendemos a julgar a dificuldade de uma questão avaliando a quantidade e a especificidade dos conteúdos cobrados. No entanto, se pensarmos no aluno, enfrentando a prova do Enem, podemos imaginar que fazer essas relações todas que lhe são cobradas não será algo tão simples assim, mesmo que o conteúdo envolvido seja simples e de seu domínio.
O problema começa em como esse aluno aprende. No afã de oferecer aos estudantes, desde o ensino fundamental, um volume de conteúdo suficiente para prepará-lo para o que ele irá enfrentar no seu nível educacional subsequente, talvez haja pouco espaço para relacionar, no ensino da literatura, aspectos da geografia. Nem sempre se consegue, no ensino das ciências, observar fenômenos, procurar entendê-los, levantar hipóteses, refutar algumas e investigar melhor outras, enfim fazer o aluno pensar como um cientista, mesmo que em algo pequeno, mesmo que em algo simples.
Talvez não haja como concluir tecnicamente se na edição de 2013 o Enem foi mais fácil ou mais difícil. Mas, certamente, em muitos momentos, para o estudante, a prova está difícil no que deveria ser fácil

(Colaboração de Tadeu da Ponte, bacharel e mestre em matemática pelo IME-USP e completa, em 2013, 16 anos de docência. Especializou-se em métricas educacionais e testes realizados em computador, especificamente em TRI (Teoria de Resposta ao Item) e Computer Adaptive Testing (CAT).

Publicado na edição nº 9617, dos dias 31 de outubro e 1º de novembro de 2013.