Existe aquecimento global e ele é causado por emissão de combustíveis fósseis. Todos sabem disso. Ou deveriam saber. Mas a maioria se comporta como se não soubesse ou não se interessasse pelo assunto.
Quem sofre mais com isso são os pobres. Stela Herschmann, assessora de Política Internacional do Observatório do Clima escreveu há dias: “O aquecimento descontrolado da Terra adiciona uma camada de perversidade a essa situação: cada vez mais, países pobres e de renda média precisam recorrer a empréstimos para lidar com os impactos de eventos extremos. Quanto mais endividados, menos capazes de cortar emissões e de se adaptar eles se tornam”.
Já passou da hora de exigir que os ricos cumpram suas promessas e obrigações morais. Destinar recursos para os países pobres fazerem a urgente transição, sob pena de chegarmos logo à catástrofe anunciada: desertificação e morte generalizada.
No Brasil, o uso do etanol deveria ser obrigatório. Assim como se deveria abandonar o absurdo do petróleo, fonte maléfica de emissão de gases venenosos, causadores do efeito-estufa. É utopia pensar que a ganância se curve a perigos como a morte de humanos. Mais importante é faturar e continuar a produzir esse combustível assassino.
A Academia está fazendo sua parte. Já existem projetos que buscam certificação para hidrogênio verde. Ele poderá ser exportado para a União Europeia. A maioria das iniciativas brasileiras está no Ceará. Isso porque o porto de Pecém tornará mais curta a viagem até à Europa. Embora a certificação não seja obrigatória, ela é importante para que o hidrogênio verde seja reconhecido como renovável. Assim, poderá receber incentivo financeiro da comunidade internacional para sua fabricação.
Se os cientistas avisaram e se cansam de emitir admoestações, se a ciência forneceu a receita para a substituição do diesel, da gasolina e do querosene por etanol e, futuramente, pelo hidrogênio verde, o que está faltando para que entre juízo na cabeça dos poderosos? O mundo sabe que precisa eliminar os combustíveis fósseis do sistema energético. Falta a coragem dos políticos de fazer com que essas poderosas indústrias invistam em energia limpa. Sem isso, continuam as apostas contra a vida e contra a humanidade.
É questão de sobrevivência
Falar de ambientalismo, de ecologia, de mudança climática, não é questão jurídica ou política. É questão de sobrevivência. Isso poucos sabem. Parece que não prestam atenção aos recados da terra. O planeta se cansou de quem a maltrata. Responde como pode.
Os artistas, seres sensíveis, são os que mais sentem o perigo. O fotógrafo Sebastião Salgado é um desses corajosos transformadores da realidade. Com suas fotos, mas também com ações concretas: a recuperação de áreas que, com sua mulher, mudam a face do solo mineiro.
Cláudio de Moura Castro é outro artífice da palavra que encanta os leitores de seu livro “Mutirão de árvores – Quero sombra e água fresca”. E não é só no Brasil que existem valentes heróis. O fotógrafo canadense Edward Burtynsky é considerado o “cronista da transformação do planeta”. São fotos de grande formato, feitas com câmeras de tecnologia de ponta, que mostram o paradoxo angustiante. É o que os jornais do mundo dizem: “refinados retratos do bruto”, “retrato de um lindo mundo em perigo” e “simultaneamente alarmantes e sublimes”, são alguns dos comentários.
Fotografa e faz palestras sobre a questão ambiental. Sua preocupação começou há vinte e um anos, por causa de suas filhas pequenas. E tudo piorou desde então. “Falamos de 1,5º C como limite do aquecimento. Pois já chegamos! Estamos vivendo a metáfora da fã na panela, que fica mais quente, mas não sentimos o calor à nossa volta, por isso pensamos que está tudo bem”. Acho que já estamos sentindo sim. Quem suporta as ondas de calor que se renovam, fazendo com que 2024 repita 2023 ou até o supere, como o ano mais quente da história?
Ele já foi crítico do ambientalismo apocalíptico. Hoje reconhece que é urgente pensar sobre como obter insumos sem destruir a natureza. Já é uma questão de sobrevivência humana e planetária. Depois de superar o grau e meio de aumento da temperatura, inimaginável o que ocorrerá. Por isso a urgência é a maior em todos os tempos. O alarme está tocando, mas ainda estamos no convés do Titanic, diz ele.
A política não tem coragem de fazer o que é certo, pois depende de eleições. “O problema dos humanos é só acordar quando o fogo arde à sua porta”. Será assim em todos os lugares?
(Colaboração de José Renato Nalini, reitor da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo).
Publicado na edição 10.862, de sábado a terça-feira, 3 a 6 de agosto de 2024 – Ano 100