Luzes do bem

0
395

No final dos anos de 1950 o físico americano Richard Feynman apresentou um conjunto de idéias durante o congresso na Sociedade Americana de Física, o qual, duas décadas depois, passaria a ser conhecido como nanotecnologia (milionésimo de milímetro). Na ocasião ele chegou a afirmar que o conteúdo de uma Enciclopédia Britânica iria caber num espaço não maior do que uma cabeça de alfinete.
Independentemente da bola de cristal utilizada, o fato é que o século 21 e sua extensa argamassa tecnológica transformaram Feynman num dos melhores profetas da ciência aplicada, situação de dar inveja a qualquer oráculo grego. Para se ter idéia, hoje é possível gravar o conteúdo, não de uma, mas de todas as Enciclopédias Britânicas criadas no mundo num espaço diminuto que cabe no bolso do paletó.
A nanotecnologia avançou pela última década a partir de uma simples abstração saída da cabeça de um físico para alcançar as mais diversas áreas de aplicação, como a eletrônica, a física, a biologia, a engenharia dos materiais e a medicina. Nesta última a evolução tem caminhado rapidamente, embora ainda em ambientes laboratoriais.

Identificação precisa
A equipe do professor Valtencir Zucolotto, do Instituto de Física da USP, tem trabalhado arduamente na criação de um processo que possa identificar explicitamente um tumor cancerígeno e, dependendo das condições, extirpá-lo em definitivo.
Esse processo contempla o uso de nanopartículas baseadas em ouro e óxido de ferro, recobertas com biomoléculas capazes de produzir fluorescências quando estão dentro de uma célula cancerosa. Tal luminosidade facilita sensivelmente o diagnóstico da doença, podendo ser tratada adequadamente.
Mas, o ponto mais interessante da pesquisa está no potencial de cura que o método pode produzir. Sabe-se que o grande drama de qualquer tratamento convencional contra o câncer é matar o tumor sem matar o paciente, uma vez que as células cancerosas são basicamente as mesmas na pessoa, exceto por alterações genéticas e metabólicas que as fazem se reproduzir violentamente no organismo afetado. Mesmo os tratamentos mais precisos acabam por atingir tanto células cancerosas como boas.
Nesse ponto a nanotecnologia leva enorme vantagem, pois consegue fazer um trabalho massivo intracelular, atingindo o cerne de células específicas, matando-a ou induzindo nela a apoptose, ou seja, o “suicídio celular”.

Disponibilidade para o mercado
Embora já existam testes sendo realizados em animais, Zucolotto afirma que transformar a pesquisa em medicamento e disponibilizá-lo ao mercado ainda é um passo grande a ser dado. Além dos testes de toxidade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária exige que diversos outros testes e processos sejam realizados, já que pode haver riscos para os pacientes alvos.
De qualquer maneira, a luz da nanotecnologia parece trilhar um caminho promissor na busca pela cura de uma das piores doenças que afeta a humanidade há milhares de anos. E qualquer luz, nesse sentido, torna-se uma grande esperança que não pode ser desprezada.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).


Publicado na edição n° 9460, dos dias 8 e 9 de outubro de 2012.

COMPARTILHAR
Artigo anteriorImperdível
Próximo artigoSujeira e eleição