Mudanças na dinâmica financeira internacional

José Mário Neves David

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A incursão militar russa em território ucraniano tem gerado inúmeras consequências ao mundo. O reflexo imediato, sentido de forma dolorosa pela população da Ucrânia, corresponde ao risco iminente decorrente de bombardeios e troca de tiros, além da fuga em massa da população do País em busca de segurança, gerando um contingente de refugiados ucranianos nos países vizinhos à Ucrânia e em toda a Europa. No âmbito geopolítico, houve forte reação da comunidade ocidental, no sentido de condenar a guerra e os métodos utilizados pela Rússia para subjugar o país vizinho. Foi, contudo, com as sanções políticas, embargos econômicos e decisões empresariais posteriores que a dinâmica financeira mundial começou a ser alterada, talvez de forma irreversível e definitiva – ao menos até o próximo grande evento geopolítico mundial.

No âmbito financeiro, as sanções de natureza política e os embargos econômicos promovidos pelas grandes potências ocidentais (leia-se, Estados Unidos da América, Canadá, União Europeia, Reino Unido, Japão e Austrália) geraram profundas mudanças nos mercados e no comércio mundial. A proibição da venda de mercadorias para a Rússia, assim como a vedação à aquisição de produtos e recursos minerais daquele país, num ato sem precedentes no mundo dos negócios, gerou não apenas uma desvalorização substancial do rublo, a moeda russa, como também deram ensejo a discussões jamais vistas, como a de potencial utilização de ienes, a moeda da China, como meio de pagamento no mercado mundial do petróleo, histórica e tradicionalmente cotado em dólares norte-americanos. Ademais, multinacionais e grandes conglomerados empresariais com presença em todo o globo se retiraram ou suspenderam as atividades na Rússia, em um gesto inédito de ativismo empresarial, ainda que tais atos gerem represálias e redução das receitas obtidas por tais companhias e grupos.

Os embargos e sanções em curso têm fomentado, também, potencial corrida para determinadas criptomoedas, tais como o bitcoin e o ethereum, cujo mecanismo de utilização e comercialização, isto é, a rede blockchain, foge das possibilidades de aplicação de penalidades aos seus detentores e de suspensão de operações realizadas em tais moedas virtuais. A potencial corrida, no entanto, não tomou corpo por ora, de forma que as cotações das principais criptomoedas negociadas no mundo permaneciam em viés de baixa quando da confecção desse artigo.

No mais, vale destacar que a aplicação de sanções a pessoas físicas e empresas russas, notadamente os oligarcas espalhados pelo mundo e as companhias, em sua maioria de natureza estatal, tem atingido o coração da economia da Rússia, de forma que muitos bens e ativos de propriedade de cidadãos e empresas russos têm sido congelados e apreendidos em todo o planeta, gerando uma enxurrada de vendas e uma corrida de recursos de russos para países e localidades que não possuem acordos comerciais, financeiros e penais com as grandes potências ocidentais, como as Maldivas. Até a Suíça, país que tradicionalmente se mantém neutro em conflitos e bolas divididas geopolíticas e sempre foi considerado um território seguro para aplicação e guarda de recursos, ainda que de origem duvidosa, adotou duras sanções contra bens de proprietários russos, causando grande dor de cabeça aos bilionários daquele país.

Por fim, é importante ressaltar que a aplicação de pesadas sanções e embargos à Rússia pode, indiretamente, favorecer a China, que tem condições e uma economia de tamanho suficiente para oferecer alternativas aos russos e aos vários empresários e traders das mais variadas nacionalidades interessados em negociar com aquele país, dada a desvalorização maciça do rublo, a eliminação da Rússia do sistema bancário internacional do swift e o risco regulatório e criminal de se negociar com o gigante do norte nos tempos atuais. Com o fortalecimento da parceria russa com a China e o desenvolvimento de alternativas financeiras no país asiático, hoje a segunda maior economia do globo, caminhando a passos largos para se tornar a primeira, poderemos ver, no futuro, uma dicotomia entre o sistema econômico do ocidente, capitaneado pelos EUA, e um novo sistema asiático dominado pela China, com forte presença na Rússia, afastando ainda mais as realidades econômicas e sociais desses blocos.

Assim, nota-se que a aplicação de sanções e embargos econômicos e políticos, que geram efeitos quase que imediatos ao sistema econômico da Rússia, afastam ainda mais alguns países da dinâmica econômica mundial, favorecendo o desenvolvimento e crescimento de novas alterativas e meios de realização de negócios no mundo, que, vejam só, no longo prazo, podem tornar as sanções e embargos ora efetivos, incipientes. Vejamos como tal dinâmica se desenrolará.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado e administrador de empresas. Contato: [email protected]).

Publicado na edição 10.653, de sábado a terça-feira, de 19 a 22 de março de 2022.