Nem santuário, nem bordel

José Renato Nalini

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Recente afirmação de um empresário merece reflexão. Ele disse que a Amazônia não deve ser vista como um santuário que não pode ser explorado. Entendo e compreendo. Embora me fascine a ideia de que regiões de exuberante biodiversidade, principalmente as que não soçobraram diante da insaciável cupidez do bicho-homem, devessem merecer respeito análogo ao que se devota aos templos.

A Amazônia é um santuário que legitima a crença no design inteligente. Resultaria de mero “big-bang” a sua multifacetada realidade, viva e surpreendente, verdadeira vitrine das maravilhas naturais, gratuitamente ofertadas ao ser humano?

Não se tem respeitado a Amazônia. A maior riqueza brasileira e planetária, é destruída sem clemência, antes mesmo de se descobrir todas as suas riquezas e potencialidades.

Organismos internacionais, ancorados na mais robusta ciência, já disseram que a floresta em pé vale muitas vezes mais o que se apuraria com a sua derrubada. Talvez o apelo financeiro sensibilize as consciências empedernidas que não querem enxergar o crime de lesa-futuro que é o extermínio daquela imensidão, a cada dia menor e mais ameaçada.

Uma exploração sustentável da Amazônia implicaria em pesquisa e estímulo propiciados pelo Estado, mas também pela iniciativa privada. Esta é que saberá conferir valor agregado a tantas espécies animais e vegetais que ali se desenvolvem e tornar rentáveis ocupações hoje pouco prestigiadas. Universidade, Terceiro Setor, Mídia e todas as manifestações do patriotismo precisam estar abertas a esse vácuo de imersão amazônica. Sem conhecê-la, impossível defendê-la.

A tragédia é converter a Amazônia em verdadeiro bordel, palco de escancarada corrupção em todos os graus, com exploração criminosa de suas riquezas, extermínio de etnias que deveriam ser reconhecidas como as legítimas titulares daquelas terras que ocupam há milênios.

Essa terra sem Estado e sem lei, sem polícia e sem Justiça, foi entregue à sanha assassina de organizações criminosas, cada vez mais organizadas e mais sofisticadas. Elas já dominam aquela imensa gleba, para a qual a ideia de “Santuário” está cada vez mais remota, enquanto a boiada insana avança e a converte em território livre para todas as carnificinas e transgressões.

Padroeiro dos surfistas

Santidade não tem época, não tem idade. É possível levar uma vida edificante, inteiramente reta, sem deixar de ser alegre, bem humorado, adaptado à sua era. Carlo Acutis (1991-2006) é o jovem padroeiro da internet. Nasceu no Reino Unido e faleceu em Monza, na Itália. Já foi beatificado em 2020 e seu corpo incorrupto recebe milhares de peregrinos em Assis.

Se os internautas já têm um padroeiro, agora os surfistas poderão ganhar o seu. E para nosso gáudio, é brasileiro. Na verdade, carioca, nascido em Volta Redonda. É Guido Vidal França Schäffer, (1974-2009), médico e surfista.

O Vaticano o proclamou merecedor do reconhecimento de virtudes heroicas, passo essencial ao processo de beatificação de mais um brasileiro. Agora ele é venerável por todos os católicos.

Guido fez medicina na Faculdade Técnica Educacional Sousa Marques, entre 1993 e 1998 e fez residência na Santa Casa, entre 1999 e 2001. Também cursou Filosofia, de 2002 a 2004 e Teologia, entre 2006 e 2007, o Instituto de Filosofia e Teologia do Mosteiro de São Bento, no Rio.

Em 2008 ingressou no Seminário São José para se ordenar sacerdote e durante toda a sua juventude, organizou grupos de oração e de ajuda para os pacientes com aids. Conciliava essa atuação cristã-católica e as aulas de surfe.

No dia 1º de maio de 2009 foi à Barra da Tijuca para surfar, quando a prancha atingiu sua nuca, matando-o. Logo começaram a surgir relatos de milagres e o seu túmulo, no Cemitério São João Batista, passou a ser um lugar de muitas visitas.

Dois jovens de nosso tempo, que não renunciaram ao convívio com outros jovens, mas demonstraram que é possível trilhar o melhor caminho e vivenciar o tempo que lhes foi reservado para a efêmera e frágil peregrinação por este sofrido planeta.

Estímulo a todos aqueles que pretendem ser bons, sem renunciar aos prazeres sadios e a comprovarem que uma pessoa triste só poderá ser um triste santo. Atender à própria vocação, sentir-se parcela privilegiada entre as criaturas da Providência, é cultivar também a alegria e a transmiti-la a todos com os quais se é dado relacionar.

Com os seus oito mil quilômetros de praia, o Brasil bem que merece ter um santo surfista, padroeiro de todos os surfistas.

(Colaboração de José Renato Nalini, Diretor-Geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras).

Publicado na edição 10.763, quarta, quinta e sexta-feira, 14, 15 e 16 de junho de 2023

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