Nênia a uma grande mulher

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José Antônio Breviglieri

Neste caixão, há uma mulher adormecida. Quem será ela? Como se chama?
Podemos chamá-la de mãe extremosa. A prova, seus filhos todos aqui, a seu lado.
Professora? Numa convivência de mais de vinte anos, eu ví seu esforço e aplicação na tentativa de fazer os jovens entenderem que a história é muito mais do que os livros mostram.
Mulher? Mas que tipo de mulher?
Mulher negra lutadora, digna do povo de Zumbi dos Palmares, símbolo do heroísmo de sua raça.
E o que tornava essa mulher especial?
Sua luta em diversos campos em favor da humanidade.
Na cultura, ela foi professora, participou da Associação Pró Arte, ao Conselho da mulher, ao Conselho que tratava das questões do negro e sua cultura. Participou da política como candidata a vereadora. Mas a sua maior luta deu-se do lado de fora de todas as instituições a que ela pertenceu. Num tempo em que os negros eram impedidos de frequentarem os clubes dos brancos, ela, mais um grupo de jovens negros e negras, formaram o seu próprio clube, que mais tarde se tornaria o “José do Patrocínio”, ou simplesmente o “Patrô”.
Por muitos anos os negros passaram a ter onde dançar seu carnaval, seus encontros musicais. No começo, ela jovem, teve a cooperação de pessoas ilustres que doaram e ajudaram a construir o que é hoje sua sede.
Mas recentemente, já idosa e alquebrada pela moléstia, viu-se sozinha, como a presidente que sempre foi, junto com um grupo de diretores que também sozinhos, tudo fizeram para que nossa casa, nosso “Patrô”, não fechasse as portas.
Deixando de lado o conforto, até onde pôde esteve presente em nossas reuniões. Primeiro com sua bengala, depois com seu andador, trazendo sempre seu espírito de luta e resistência contra as forças que se abateram e tentaram destruir o mais belo e permanente monumento construído por ela: a “Associação José do Patrocínio”.
Ninguém sabe, mas devo dizer: ela, como todos os membros diretores jamais receberam um centavo sequer para trabalhar nos fins de semana, nos dias do meio da semana, para que a casa se abra no sábado e receba nossa população mais simples para dançar o nosso forró. Todos trabalham gratuitamente para o nosso povo ter onde se divertir nos fins de semana. E sem apoio oficial ou particular, contando com os minguados recursos de uma bilheteria nem sempre generosa, economizando todo real possível para pagar todas as despesas da casa.
Mas a força e, principalmente o amor dessa mulher, contaminou a todos nós, diretores que, hoje, com esse mesmo amor, continuamos com fé e esperança em dias melhores, quando poderemos oferecer aos nossos amigos frequentadores, um clube mais confortável, com ótimas programações, hoje um pouco longe de nossas possibilidades.
Hoje, Osória, nós, seus amigos, familiares e todo o corpo diretivo do Patrocínio, que você fundou, estamos aqui para nossa última reunião. Não há pauta a ser discutida, não há secretário para lavrar a ata.
Hoje nossa pauta é você partindo para a eternidade, nossas discussões são o silêncio de nossas bocas, e os assuntos, a oração que dirigimos a Deus.
A ata você a escreveu. Está junto a Deus, o juiz supremo que aprovará e abrirá o lindo caminho de luz que você começou a construir aqui na terra e que termina no coração de nosso Criador.
A você, amiga, apenas o nosso profundo silêncio, para não acordá-la do lindo sonho que a embala e a leva para a paz do céu, aos braços de Deus.

(Colaboração de José Antônio Breviglieri, Segundo Secretário da Associação José do Patrocínio)