

O avanço da medicina trouxe inúmeros benefícios, incluindo o aumento da expectativa de vida e o controle de diversas doenças crônicas. No entanto, ao longo das últimas décadas, consolidou-se um modelo de tratamento baseado na medicação excessiva dos sintomas, em vez de uma abordagem mais ampla e integrada, que vise tratar as causas subjacentes das doenças.
Isso resultou em um ciclo vicioso de dependência de medicamentos, no qual pacientes permanecem presos a tratamentos contínuos, enquanto suas condições de saúde não melhoram de forma significativa. Esse fenômeno não apenas sobrecarrega os sistemas de saúde, mas também prejudica a qualidade de vida dos pacientes.
Neste artigo, exploraremos como esse ciclo se forma, por que ele persiste e como podemos
interrompê-lo por meio de uma abordagem mais consciente e integrativa.
O problema: tratar o sintoma, não a causa
A maioria dos tratamentos convencionais para doenças crônicas como hipertensão, diabetes,
depressão, artrite e colesterol alto segue um padrão comum: diagnosticar a doença e prescrever um medicamento para controlar os sintomas. O paciente, por sua vez, segue tomando esses medicamentos indefinidamente, sem que haja uma estratégia clara para reverter ou, ao menos, desacelerar a progressão da doença.
Essa abordagem ignora um fator crucial: a origem da doença.
Por exemplo, um paciente hipertenso recebe um anti-hipertensivo para reduzir sua pressão arterial, mas se sua alimentação, nível de estresse e sedentarismo não forem modificados, a pressão continuará alta. Como resposta, pode-se aumentar a dose do medicamento ou adicionar mais um fármaco à prescrição, e assim começa um ciclo sem fim, no qual o paciente acredita que depende dos remédios para viver, quando na realidade, as causas subjacentes da doença nunca foram devidamente abordadas.
O ciclo da dependência medicamentosa
O ciclo vicioso da dependência de medicamentos ocorre em três etapas principais:
- Prescrição inicial (entrada no ciclo) – O paciente é diagnosticado com uma doença crônica e recebe um medicamento para controlar os sintomas. Muitas vezes, essa prescrição ocorre sem uma orientação clara sobre a necessidade de mudanças no estilo de vida;
- Ajustes e aditivos (manutenção do ciclo) – Com o tempo, o medicamento pode perder eficácia ou causar efeitos colaterais. O que acontece então? A dose é aumentada ou novos medicamentos são adicionados ao tratamento. O paciente começa a tomar múltiplos fármacos, sem compreender que a progressão da doença pode estar relacionada a fatores que ainda não foram tratados;
- Dependência farmacológica e progressão da doença – A longo prazo, o paciente se torna dependente de uma rotina de múltiplos medicamentos, acreditando que não há outra alternativa. Sua condição de saúde pode continuar piorando, levando ao surgimento de novas doenças associadas e à necessidade de ainda mais medicamentos, alimentando um ciclo que se repete continuamente.
O ciclo vicioso da dependência medicamentosa persiste por diversas razões: Falta de educação em saúde. Muitos pacientes não recebem informações claras sobre a importância das mudanças no estilo de vida para controlar doenças crônicas; Modelo biomédico centrado no medicamento. A prática médica atual ainda se baseia fortemente na prescrição de remédios como principal ferramenta terapêutica; Desconhecimento dos profissionais de saúde sobre terapias integrativas. Abordagens como a nutrição funcional, o manejo do estresse e a atividade física muitas vezes são negligenciadas; Indústria farmacêutica e interesses econômicos. Há um incentivo comercial para que medicamentos sejam vistos como a solução primária, muitas vezes em detrimento de estratégias preventivas.
Como Quebrar o Ciclo?
Interromper esse ciclo exige mudança de mentalidade tanto por parte dos profissionais de
saúde quanto dos próprios pacientes. Algumas estratégias essenciais incluem: 1. Revisão de fármacos e otimização do tratamento. A revisão periódica dos medicamentos é essencial para avaliar se todos os fármacos ainda são necessários e se há possibilidade de reduzir doses ou eliminar aqueles que não estão trazendo benefícios reais ao paciente; 2. Educação para mudança de estilo de vida. Os pacientes precisam ser orientados sobre o papel da alimentação, do exercício físico, da saúde mental e do sono no controle das doenças crônicas. Pequenas mudanças podem reduzir drasticamente a necessidade de medicamentos; 3. Acompanhamento multidisciplinar. Nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas e farmacêuticos devem atuar em conjunto com médicos para oferecer abordagem mais ampla e eficaz no controle das doenças crônicas; 4. Uso racional de medicamentos que são ferramentas valiosas, mas devem ser usados de forma racional e estratégica. O foco deve estar na qualidade de vida do paciente, não apenas no controle laboratorial de sintomas.
Conclusão
O ciclo vicioso da dependência de medicamentos em doenças crônicas é um reflexo da cultura médica atual, que prioriza o alívio imediato dos sintomas sem tratar suas causas subjacentes. Para quebrar esse ciclo, é fundamental adotar abordagem mais equilibrada, que integre o uso responsável de fármacos com estratégias de mudança no estilo de vida e acompanhamento individualizado.
O paciente não deve ser apenas um consumidor passivo de medicamentos, mas sim um protagonista ativo em seu processo de saúde. Somente assim será possível transformar o atual modelo de tratamento e proporcionar vida mais saudável e equilibrada para milhões de pessoas .
(Colaboração de Luiz Assunção, CRF 23.110 SP, farmacêutico clínico).
Publicado na edição 10.910, sábado a sexta-feira, 22 a 25 de março de 2025 – Ano 100