O desvario popular

José Renato Nalini

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A paixão popular jamais conheceu lógica. Em todos os tempos e em todas as partes, o desvario popular é sempre… um desvario. Existem desvarios contemporâneos? Sim. Em todos os espaços. É só prestar atenção.
Quando estudamos o crime multitudinário, sabemos que o grupo inebriado pela febre da insanidade, é capaz de condutas que os indivíduos – isoladamente – não adotariam. Apoiar-se em companhias artificiais, hoje virtuais, sugere ao humano ser invencível. Isso o leva a perpetrar desatinos, sem atentar para as consequências.
Imagine-se, agora, o estímulo intensificado pela Inteligência Artificial. Ela consegue penetrar no íntimo das consciências, pois a cada clique em qualquer bugiganga eletrônica – celulares, smartphones, Iphones, tablets, notebooks, computadores pessoais, etc. etc., – o usuário vai deixando rastros de suas preferências. O DNA do dependente da comunicação digital está nesses instrumentos que vão fortalecendo tendências e intensificando sentimentos. Predominantemente os odiosos.
Muitos episódios isolados já ocorreram e evidenciam o quão perigosa é a turba irada. Ela não reflete. Não raciocina. Não pondera. Vai para o ataque e ninguém consegue freá-la. É assim que, sem qualquer dúvida e comedimento, lincha-se alguém. Sintoma de que as atuais gerações têm dificuldade em discernir, é a pronta resposta a qualquer indagação: “Com certeza!”.
Ora, certeza é um estágio a que se chega após serena reflexão. A dúvida como hiato para se chegar ao convencimento é algo saudável. O que impressiona em nossos dias, é a pressa com que se atinge o absoluto, em questões ainda candentes, suscetíveis de sedimentação.
Quando é que se voltará ao estágio de lenta evolução do pensamento, da análise ponderada dos argumentos, do cotejo desarmado de prós e contras, para só então se adotar uma posição?
O ritmo febricitante da sociedade atual, com aceleração crescente de hábitos automatizados, sem a meditação que serviria para clarear a mente, não permite cultivar esperança de que nos tornemos uma sociedade sensata.
E pensar que as eleições se decidem no impulso, a partir de imagens produzidas pela arte da publicidade, à luz de sensações tão distantes do bom senso! A sensatez já foi sepultada e esquecida, principalmente nas instâncias em que deveria preponderar. Humanidade desmiolada e triste!
(Colaboração de José Renato Nalini, Diretor-Geral da Uniregistral, docente da Pós-graduação da Uninove e Secretário-Geral da Academia Paulista de Letras).
Publicado na edição 10.760, quarta, quinta e sexta-feira, 31 de maio, 1º e 2 de junho de 2023