
Marcelo Bosch Benetti doas Santos
O termo narcisismo se refere à admiração e ao amor que um indivíduo mantém por si mesmo ou por sua própria imagem. Na mitologia grega, Narciso representa os excessos de uma paixão perniciosa pela própria imagem, que teve como resultado a própria morte ao tornar-se atônito e apaixonado pelo seu reflexo em uma fonte de águas claras.
Para a psicanálise, o narcisismo é constituinte do sujeito, uma vez que corresponde a uma fase normal e esperada do desenvolvimento psicossexual da criança, condizente com o momento em que ela toma a si mesma ou o próprio corpo como objeto de amor. Na fase de desenvolvimento precedente, denominada autoerótica, apesar da criança já encontrar no próprio corpo o local de satisfação de seus desejos, estimulando suas diversas partes, isso é realizado de maneira predominantemente fragmentada e desorganizada, uma vez que várias partes do corpo concorrem para a busca de prazer.
Este grande interesse por si mesmo seguido pela crença, mesmo que ilusória, de onipotência e de ser o centro das atenções irá favorecer uma constituição mais ou menos estável e unificada, por assim dizer, da percepção que a criança terá a respeito de si. Nesse sentido, o narcisismo infantil será um dos fatores que possibilitará assegurar a autoestima do indivíduo e que lhe dará maiores condições de enfrentamento das adversidades e frustrações diante da realidade.
Com a continuidade do desenvolvimento infantil, é esperado que este narcisismo se atenue e seja equilibrado pelo interesse da criança e do futuro adulto na realidade externa, em objetos (animados e inanimados) que não majoritariamente o próprio ego ou o próprio corpo.
Entretanto, existem pessoas que insistem em arrastar seu narcisismo infantil para a vida adulta à maneira original. Não que o narcisismo infantil no adulto inexista; ao contrário, ele é permanente e continua sendo um fator organizador da personalidade e do funcionamento social do indivíduo, mas de modo distinto. Isso ocorre, por exemplo, mediante os ideais e as expectativas que cada pessoa carrega consigo e estabelece para si, resultando em uma busca permanente de melhora, através de autocríticas, cobranças internas e projetos pessoais.
A pessoa que apresenta um narcisismo exacerbado, a ponto inclusive de tornar-se patológico, encontra-se aprisionada – como no mito de Narciso – na imagem especular de si mesma. Uma imagem que se mostra perfeita, porque (ilusoriamente) completa e ausente de qualquer falha – mas que carrega a marca da efemeridade e da impermanência inerente a qualquer reflexo produzido por um espelho d’água.
As pessoas de personalidade narcísica, ou com transtorno de personalidade narcisista, apresentam como características principais uma sensação de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração constante, falta de empatia e manipulação ou exploração dos relacionamentos interpessoais para atingir os próprios objetivos. Além disso, são pessoas que comumente experienciam sentimento de inveja ou que acreditam ser alvo de inveja alheia.
Tais padrões de comportamento usualmente se iniciam na adolescência ou no início da vida adulta e estão presentes em diferentes contextos e circunstâncias. Ainda, essas pessoas no mais das vezes demoram ou resistem para perceber suas inadequações ou para reconhecer seu mal-estar e sofrimento gerado por suas atitudes.
A psicoterapia poderá consistir em uma ferramenta poderosa para a transformação desses padrões de comportamento cronificados, geralmente em um trabalho de médio a longo prazo. Até mesmo porque sair do lugar outrora ocupado por “sua majestade, o bebê” não foi (e não é) fácil para ninguém, e é uma verdadeira batalha para muitos que querem permanecer neste lugar inebriante, apesar de não mais caberem em seu traje majestoso.
(Colaboração de Marcelo Bosch Benetti dos Santos, Psicólogo, especialista em Psicologia Clínica, mestrando em Psicologia Clínica – PUC-SP).
Publicado na edição nº 9905, dos dias 22 e 23 de outubro de 2015.