
O último 13 de maio marcou os 190 anos da Lei Áurea, sancionada em 1888. Quase dois séculos se passaram e ainda vemos em nossa sociedade raízes bem firmes do racismo sustentando as estruturas que definem a organização da nossa vida em sociedade. Por mais que os avanços tenham ocorrido, ainda existem barreiras muito bem delineadas que impedem mulheres e homens negros de terem as mesmas oportunidades, direitos e liberdades que uma mulher ou homem brancos. Além dessas barreiras, a população negra enfrenta, diariamente, situações onde é menosprezada, oprimida e violentada, seja pela sociedade ou pelo Estado.
Para que a desconstrução dessa estrutura e desse sistema de opressão racial seja realizada, é necessário lutar, em conjunto, para que mudanças estruturais sejam feitas na micro e na macropolítica; e acima de tudo, é necessário dar voz e oportunidades à população negra. Mas para que isso seja possível, é necessário reconhecer práticas racistas do nosso dia-a-dia, que contribuem para a manutenção do status-quo da nossa sociedade. Apontarei duas práticas.
Primeiramente, vamos falar sobre a “meritocracia”. Meritocracia é tão real quanto os unicórnios! E digo isso pois, não é possível dizer que dois ou mais indivíduos possuem as mesmas oportunidades e direitos. A identidade e a realidade de cada indivíduo são únicas, e essa soma única definirá a experiência de privilégios e opressões que cada indivíduo terá em sua vida. O simples fato de um aluno ir para a escola de carro e um outro ir de ônibus, coloca o discurso da meritocracia por água abaixo – são realidades diferentes. O discurso da meritocracia é muito utilizado para deslegitimar o sistema cotas ou qualquer outra política pública que venha remediar as estruturas de opressão racial, pois defende que todos têm experiências iguais na sociedade, o que não é possível. Esse discurso, contribui para a manutenção do sistema de desigualdades.
Outra questão, relacionada ao menosprezo da dor da opressão racial, é a “colorblindness” (tradução não literal: “daltonismo”). O termo em inglês, neste contexto, representa o discurso do indivíduo branco que diz “não ver” cor/raça. A escritora e professora Dani Bostick afirma que colorblindness é “uma resposta comum ao racismo. Mais especificamente, é uma resposta comum dos brancos tentando rejeitar o racismo” – “Eu vejo pessoas, não cor. Todos somos iguais.”. Bostick aponta que essa questão suprime as narrativas de opressão, querendo fazer crer que todos vivem a experiência branca, não reconhecendo a injustiça e a opressão (HUFFPOST, 2016).
A acadêmica Bell Hooks, em seu livro “Feminism Is For Everybody” (2015), afirma que “todas as mulheres (e homens) brancas nesta nação sabem que a branquitude é uma categoria privilegiada. O fato de que as mulheres (e homens) brancas talvez optem por reprimir ou negar esse conhecimento não significa que elas (e eles) sejam ignorantes: significa que elas (e eles) estão em negação”. A ativista Franchesca Ramsey (2015) afirma que “raça é uma construção social, mas não quer dizer que o racismo não seja real”. E é exatamente isso que temos que levar em consideração, quando fazemos uma análise da nossa vida em sociedade. É preciso reconhecer os nossos privilégios e as experiências de opressão e desigualdade alheias, deixando de lado os discursos hipócritas e oportunistas, nesses contextos, de “somos todos iguais”. Somos todos humanos, mas infelizmente não somos tratados da mesma maneira. O racismo é real, e precisamos fazer algo para mudar isto!
Colaboração de: Colaboração de Arthur Fachini, formado em Relações Internacionais pela Universidade de Ribeirão Preto, e ativista pelos Direitos Humanos e igualdade de gênero. Atualmente é responsável pelo projeto “Defensores Globais” na Escola Estadual Abílio Manoel.”