Retribuir

José Mário Neves David

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O Brasil é um país de contrastes. Ao mesmo tempo, somos desenvolvidos em alguns quesitos e reiteradamente atrasados em outros. Temos, no mesmo município, medicina de padrão mundial e atendimento médico precário. Casas nababescas e déficit habitacional. Escolas de ponta e escolas de barro. Sistema bancário que é referência global e milhões de desbancarizados. Definitivamente, somos um país desigual e com contrastes que chocam. Nesse contexto, aos que podem acessar o que há de melhor, a oportunidade de ajudar a quem necessita é quase um imperativo social.

Tem ganhado cada vez mais força no mundo o conceito de retribuição, isto é, devolver à sociedade um pouco daquilo que se pôde desfrutar e que, infelizmente, muitos não tiveram acesso. Em inglês, o movimento é denominado de “give back”, isto é, “dar de volta” à comunidade parte daquilo que se usufruiu. O conceito é amplo: a retribuição pode ser em forma de tempo concedido para algo ou alguém, dinheiro doado para causas nobres, trabalho voluntário em benefício de quem precisa, mentoria de pessoas menos experientes e até atenção a quem necessita – por exemplo, aos idosos que tanto já fizeram pelas pessoas. Assim, a retribuição aqui referida é acessível a todos, pois quem não pode doar dinheiro, pode contribuir com tempo ou atenção. As opções são vastas.

Logicamente, a doação de recursos financeiros para causas sérias e nobres é uma grande retribuição, uma vez que o dinheiro de um pode impactar a vida de várias pessoas, direta ou indiretamente. Porém, a retribuição em forma de tempo concedido, ainda mais em um contexto de agitação e exaustão social, é uma valiosíssima retribuição. Por exemplo, a mentoria de jovens em início de carreira, especialmente os mais carentes do ponto de vista socioeconômico, pode ser uma grande retribuição para a sociedade, pois abre portas e mentes de pessoas que não tiveram as mesmas oportunidades que a elite intelectual, financeira e cultural do país. Dessa forma, compartilhar experiências, contatos e conhecimentos pode ser uma grande retribuição, com efeitos em progressão geométrica.

Outro exemplo de retribuição diz respeito às pessoas que, de forma voluntária, visitam e apoiam, material e afetivamente, os desabrigados, as crianças em orfanatos, os doentes em hospitais e os idosos em asilos. A mera atenção, a escuta ativa, a companhia, a brincadeira e algumas palavras de força e conforto podem ser simples para alguns, mas muito importantes para muitos. Quem já teve a oportunidade de realizar trabalhos sociais sabe bem que quem vive essas experiências de retribuição sai muito mais forte, feliz e grato dessas iniciativas. É um ganha-ganha: quem recebe é beneficiado e quem doa, seja lá o que for, ganha uma experiência de vida inesquecível.

Nesse sentido, vale muito a reflexão aos que leem essa Gazeta de Bebedouro, pessoas inteligentes e certamente privilegiadas, seja pela saúde que desfrutam, pela educação recebida, pela condição social obtida ou pelas experiências e oportunidades já vividas, que, caso ainda não o façam, pensem na possibilidade de “dar de volta” à sociedade algo valioso, como tempo, recursos ou disponibilidade e vontade para ajudar. Qualquer retribuição é bem-vinda e muito válida, dados os enormes desafios e as vergonhosas disparidades sociais do Brasil. Se pode contribuir financeiramente, doe para uma instituição de sua confiança; se tem dez minutos após o almoço, ajude alguém que talvez não tenha o alimento à mão; se está realizado na profissão, apoie alguém no início da jornada profissional; se sente frio na madrugada, contribua com alguém que dorme nas ruas. Se cada um retribuir um pouco, dentro de suas possibilidades, poderemos sonhar com um país melhor.

(Colaboração de José Mário Neves David, advogado, conselheiro e consultor. Contato: [email protected]).

Publicado na edição 10.853, de sábado a terça-feira, 29 e 30 de junho, 1º e 2 de julho de 2024