Um talento musical inspira a vinda de visitante ilustre em 1923

José Pedro Toniosso

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Em 1923, o então professor e jornalista José Romeu Ferraz visitou a cidade motivado por uma composição do jovem músico, futuro maestro emérito, Pedro Pelegrino. Na década de 1950, Romeu Ferraz tornou-se Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Nas primeiras décadas do século passado era comum a imprensa local publicar relatos de visitantes ilustres, geralmente convidados por moradores que possuíam certa projeção social, que ciceroneavam esses viajantes nos passeios pela cidade.

Nesse sentido, na edição de 21 de abril de 1923, o Jornal de Bebedouro noticiou a presença na cidade, em visita a Tibúrcio Gonçalves Filho, com quem estudara em São Carlos, o ‘ilustrado Prof. José Romeu Ferraz, diretor das Escolas Reunidas de Santa Gertrudes e conhecido jornalista’.

A visita resultou na escrita de um relato, no qual Romeu Ferraz explicou o porquê de sua vinda à cidade e como foi recebido pelos bebedourenses. Chama a atenção que a motivação tenha sido a audição de uma música de autoria de P. Pellegrino, ou seja, Pedro Pellegrino, o futuro maestro emérito, que então muito jovem, com cerca de 24 anos, já tinha suas composições sendo executadas em outras searas.

O relato de Romeu Ferraz foi publicado pelo Jornal de Bebedouro, sendo reproduzido parcialmente a seguir, porém com a ortografia atualizada:

“Bebedouro: impressão ligeira de um excursionista apressado”

Numa dessas tardes violáceas, tristes, que nos dão a impressão nítida de que a natureza também sofre da dor de viver, uma mulher bonita vibrava, num piano venenoso, um deliciosíssimo tango ao sabor argentino. Eu quis saber quem o produzira. A mulher bonita, com um belo olho míope, uma suave miopia de encomenda, lera, ao alto da música, um nome simples. P. Pellegrino e, adiantara, que por informações, soube-o de Bebedouro. E foi assim que eu travei conhecimento com a alma bebedourense! Bela alma cheia de melodia e cheia de ternura que vasa, laça e lírica, numa composição dum talento musical, dum temperamento artístico.

Sai em excursão, neste ensejo de férias, pela zona araraquarense e, no regresso, quis conhecer a São Paulo – Goyaz, vendo, antes, Bebedouro, o berço do tango mavioso. Não me foi difícil. E num longo, grandíssimo abraço, Tibúrcio Gonçalves Filho, esse moço de inteligência e de coração repassado de pureza, antigo colega de boemias literárias […], facilitou conhecer Bebedouro, a sua gente, os seus costumes, a sua cultura, a sua beleza e a riqueza de um progresso quase fantástico. Agarrado ao seu braço e dos distintos jovens Nenê e Horário Miranda, que trazem na carcaça uma alma delicada, saímos encharcando os olhos de novidades. […]

Passeamos e me descortinava, aos poucos, um grande grandioso de uma cidade que caminha, com passos alentados, na vanguarda das cidades que mais prosperam no nosso surpreendente Estado de São Paulo. Vi os jardins, os edifícios calçados nos moldes hodiernos, o grupo escolar, o colégio Luso, a imprensa, os vastos escritórios administrativos da futura estrada de ferro S Paulo – Goyaz onde me relaciono com doutor Werneck e Victorino Gonçalves dando-me este o prazer inesquecível de uma palestra agradabilíssima, vi em seguida, a matriz, o club, o cinema, a Santa Casa, a municipalidade, apertei a mão do sr. Cícero Prates, o governador da comarca que traz na altivez a atividade característica de todos os filhos do torrão baiano, percorri tudo, enfim.

É extraordinário se não registrasse a vida desenvolvida do comércio que servido por três agências bancárias, com instalações luxuosas em prédios próprios, e em vésperas de mais dois: o Banco do Brasil e o Banco Hespanhol!

É quase tudo. Porque falta ainda assinalar que namorei rostos lindos de moças formosas. A mulher de Bebedouro é encantadora como a música “Ao cair da tarde”, de Pelegrino, que é sublime!

Bebedouro é uma das cidades que envaidecem a gente de ser Paulista e orgulham o Paulista de ser Brasileiro!

 

José Romeu Ferraz: nascido em Araraquara, atuou inicialmente no campo da educação, após estudar na Escola Normal de São Carlos e, depois, na Caetano de Campos, em São Paulo. Em 1922, por ocasião do centenário da independência do Brasil, publicou o livro “História de Rio Claro”, tornou-se jornalista do Correio Paulistano e, posteriormente, fez bacharelado em Direito. Foi Secretário de Estado e Chefe da Casa Civil do Governo do Estado de São Paulo, tornando-se Ministro do Tribunal de Contas do Estado em 1952 e Presidente do mesmo nos períodos de 1957 a 1958 e 1965 a 1966.

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense  www.bebedourohistoriaememoria.com.br).

(Fonte: https://www.tce.sp.gov.br/galeria-presidentes)

Publicado na edição 10.912, de sábado a terça-feira, 29 de março a 1º de abril de 2025 – Ano 100