
Às vezes pagamos um alto preço por destruirmos a natureza, por invadirmos o espaço dos animais, das plantas e principalmente dos insetos. A pandemia desencadeada pelo novo coronavírus parece ser uma instância desse preço. Hoje, porém, não vamos falar dela. Vamos tratar aqui de uma outra doença, que por atingir fortemente a população mais frágil e pobre da sociedade não tem nem voz política e nem vez nos sistemas públicos de saúde.
Bem recentemente, em 14 de abril, comemorou-se o Dia Mundial da Doença de Chagas. Para quem já ouviu falar, mas nunca se interessou pelo tema, essa doença infecta anualmente cerca de 6 a 7 milhões de pessoas no mundo. Só aqui no Brasil morrem mais de 6 mil. Ela foi descoberta pelo pesquisador e médico brasileiro Carlos Chagas em 1909 e das três maneiras do ser humano se contaminar, a mais comum é pela picada do bicho barbeiro. Não que a picada em si transmita a doença. Ocorre que o danado do barbeiro, logo após a picada, faz um cocozinho cheio de parasitas Trypanosoma cruzi na região próxima e são esses parasitas que adentrando à corrente sanguínea, começam a fazer um enorme estrago ao organismo.
Para deixar registrado, a transmissão também pode ocorrer pela transfusão de sangue, transplante de órgãos, transmissão transplacentária, e pela via oral, através da ingestão do parasita contido nos alimentos.
O invasor
Embora seja comum nos lembrarmos do barbeiro como aquele inseto invasor que vive entre os vãos das paredes de pau-a-pique e barro ou nos telhados de palha de casas que evidenciam a pobreza humana, a bem da verdade é que o barbeiro não é invasor coisa nenhuma.
O grande vilão dessa história é o próprio homem, que devastando as matas silvestres – habitat original tanto do barbeiro quanto do Trypanosoma – acaba por forçar o inseto a procurar outros lares menos naturais para sobreviver.
E ele o faz eficazmente. O barbeiro consegue se adaptar e se reproduzir muito rapidamente no ambiente humano que passa a ser uma fonte de perigo ou através do contato direto com o inseto ou do contato com os hospedeiros do parasita.
Impactos severos
Daí para a contaminação bastam às pessoas um pouco de ignorância sobre a doença e sobre os seus meios de transmissão, mas, principalmente sobre a falta de higiene alimentar (muita gente já se contaminou tomando caldo de cana e açaí contaminados).
Febre alta, dores generalizadas, fígado, baço e gânglios linfáticos aumentados, taquicardia e miocardite são alguns dos sintomas da doença de Chagas. Alguns casos requerem cirurgia para implantação de marca-passo ou transplante cardíaco. Alguns outros podem ser controlados com medicamentos.
Para todos os efeitos, a doença crônica é incurável. Talvez esteja surgindo no horizonte uma luz para os chagásicos que é o tratamento regenerativo com as células-tronco. Em 2015 também foi testada em camundongos uma vacina brasileira que estimula o sistema imunológico a combater o parasita. De qualquer maneira, são iniciativas com bons potenciais que ainda necessitam de mais volume de testes.
Uma atitude simples
A melhor saída para o controle da doença ainda é a prevenção: manter a população informada sobre a causa, a transmissão e as principais características da doença; manter alimentos fora do alcance de animais hospedeiros e insetos, bem como de suas fezes; manter casas, escolas, hospitais, ou quaisquer lugares de aglomeração humana limpos e detetizados; e, sem dúvida, ouvir os alertas da natureza que vem sofrendo uma devastação incomensurável pelas mãos do homem, a citar o último mês de março, considerado o pior dos últimos dez anos de acordo com o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).
Publicado na edição 10.609, de 15 a 17 de setembro de 2021.