As grandes questões raciais sempre perpassaram pela superficialidade dos olhos. Nos Estados Unidos, por exemplo, em meados do século passado a população negra sofria com a pobreza contaminante e a discriminação execrável. Por lá as lutas raciais se revelaram icônicas, transformando personagens como Luther King, Stokely Carmichael e Malcom X em verdadeiros heróis revolucionários.
A Europa, por sua vez, testemunhou a arrogância do nazismo em afirmar sem nenhuma base científica a superioridade ariana, que pôs fim a seis milhões de vidas judias. Assim ocorreu em vários países pertencentes à África Subsaariana, como a África do Sul, que viveu sob a égide do apartheid por décadas a fio.
No Brasil, em que pela primeira vez um negro – ministro Joaquim Barbosa – assume a principal cadeira do Supremo Tribunal Federal, as diferenças raciais baseadas na cor continuam exacerbadas. Para se ter noção, mais de 60% dos negros no país ganha menos do que um salário mínimo; entre os brancos esse número cai para cerca de 30%. Em relação aos mais ricos, pouco mais de 10% são negros e quase 90% são brancos. As mortes por homicídios também corroboram com o hiato: 65% de negros contra 30% de brancos. Tudo indica que a desigualdade sócio-econômica reinante no país é uma das grandes molas propulsoras do racismo. E o que é pior, sem data de expiração.
Nas profundezas da ciência
O Brasil império não via com bons olhos uma população brasileira formada por cafuzos, mamelucos e mulatos. Tanto que dom Pedro II instituiu a política do branqueamento que trouxe ao Brasil cerca de seis milhões de imigrantes europeus. Sob a superficialidade do espectro visível, a política não obteve o resultado esperado, uma vez que gerou uma população com gradação contínua que vai do loiro de olhos azuis ao negro com traços africanos.
Entretanto, mais de um século depois o viés científico começa a tornar esse cenário um pouco diferente, de acordo com o geneticista da Universidade Federal de Minas Gerais, Sergio Pena.
Em 2011 ele publicou artigo sobre uma pesquisa realizada em quatro regiões do país que afirma que suas populações guardam ao menos 60% de ancestralidade européia em seu material genético, independente da cor da pessoa. Em outras palavras, a pesquisa relata que aqui há europeus pardos, europeus pretos e europeus brancos. O estudo lançou mão de 40 trechos de DNA sem relação com as características usadas para definir raças, como a cor da pele e dos cabelos.
Os resultados, embora não surpreendam, são no mínimo curiosos: por exemplo, em alguns brancos do Rio de Janeiro foram encontrados trechos de DNA que indicaram uma ancestralidade africana mais pronunciada do que a européia. Ainda naquela cidade, alguns que se declararam pretos, conforme terminologia do IBGE, são quase integralmente europeus no que tange aos trechos de DNA pesquisados. Uma outra curiosidade diz respeito à influência indígena. No Rio Grande do Sul nota-se uma presença indígena na composição genética dos brancos e pardos, fato não encontrado nos brancos e pardos da Bahia e Rio de Janeiro.
Ampliando a visão
É difícil prever os caminhos que a ciência nos levará pelo futuro afora. Começamos a observar que idéias pré-concebidas acerca de raça ou racismo começam a ser desmontadas pelas evidências incontestes que afloram em laboratórios pelo mundo. A significância de ser branco, negro ou pardo, loiro de olhos azuis ou pixaim, no âmbito dos genes pouco importa. E, creio, eles ainda serão fatores mandatórios em nossa sociedade. Afinal, como diz o evolucionista Richard Dawkins em seu livro “O Gene Egoísta”, nós não passamos de um instrumento para que os nossos genes se perpetuem na natureza.
(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).
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Leia mais na edição n° 9481, dos dias 1, 2 e 3 de dezembro de 2012.