Wagner Ribeiro de Souza e “Dzi Croquettes”: irreverência e resistência na ditadura militar

José Pedro Toniosso

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1. Wagner Ribeiro de Souza em uma das praças de Bebedouro, sua terra natal. (Foto: Arquivo de família)

A implantação da ditadura militar em 1964 resultou na supressão de direitos civis, exercício político e manifestações culturais, tendo em vista o controle que passou a ser exercido pelos militares, principalmente, por meio dos Atos Institucionais. Com o decreto do AI-5, em dezembro de 1968, a censura foi institucionalizada e de forma arbitrária, conforme a avaliação dos censores, os trabalhos artísticos poderiam ser censurados, vetados ou liberados.

Dzi Croquettes: grupo completo em uma de suas apresentações na década de 1970. (Foto: Internet)

 

Desta forma, para a classe artística, o clima repressivo gerava constante insegurança, especialmente para o teatro, que passou a ser visto como um lugar de subversão. Neste contexto, qualquer proposta contestadora seria alvo fácil da censura, que poderia proibir integralmente a encenação de uma peça na véspera ou mesmo no dia da sua estreia.

Foi neste cenário que surgiu em 1972, no Rio de Janeiro, o grupo “Dzi Croquettes”, com pretensão inicial de formar um conjunto musical, mas depois se tornou uma proposta de grupo teatral que pudesse contemplar os vários talentos de seus componentes, incluindo atores, dançarinos, pintores e músicos, oito homens marginalizados no teatro tradicional e que queriam expressar de forma criativa tudo o que sentiam e pensavam.

O mentor do “Dzi Croquettes” foi Wagner Ribeiro de Souza, que nascido em Bebedouro, mudara-se muito jovem para o Rio de Janeiro, para estudar medicina, mas após dois anos trancou o curso e matriculou-se na Faculdade de Filosofia, que também não concluiu, tendo optado então, pela Escola de Belas Artes e Conservatório Nacional. Na época, com 36 anos de idade, Wagner morava no bairro de Santa Teresa, trabalhava com artesanato de couro e era dono de uma butique. Sua relação com a classe artística teve início ainda no meio estudantil e ao terminar os estudos, decidiu abandonar o artesanato e o comércio e convidou alguns amigos para discutir e produzir um novo estilo de arte, o que resultou na formação do grupo.

Na composição inicial do “Dzi Croquettes”, além de Wagner Ribeiro de Souza, estavam Roberto Rodrigues, Cláudio Gaya, Bayard Tonelli, Reginaldo de Poly, Rogério de Poly, Paulo Bacellar e Ciro Barcelos. Com esta formação, o grupo estreou em Niterói em outubro de 1972, com apresentação composta por números em que os atores estavam enfeitados com muitas roupas, perucas, maquiagem e purpurina. A espontaneidade e a força das coreografias geraram no público um choque inicial, um confronto de emoções, considerando o contexto de censura e autoritarismo que o país vivenciava. A beleza plástica e o colorido dos cenários e figurinos, assim como a representação ambígua da sexualidade, geravam no espectador um questionamento de padrões num momento histórico caracterizado pelo controle e repressão.

Nos meses subsequentes ocorreu a entrada de novos componentes: Lennie Dale, Cláudio Tovar, Benedito Lacerda, Carlos Machado, Jarbas Braga e Eloy Simões. Com o grupo completo, em março de 1973 passou a apresentar-se em São Paulo, primeiramente com o espetáculo “Dzi Croquettes, as internacionais” depois alterado para “Andróginos: gente computada igual você”.

Depois de meses de apresentação na capital paulista, voltaram aos palcos do Rio de Janeiro e o trabalho sofreu algumas intervenções da censura, que proibiu a utilização de algumas expressões e impôs mudanças no figurino. Foi quando decidiram deixar o Brasil para se apresentarem na Europa, primeiramente em Lisboa e depois em Paris, onde conquistaram o público e permaneceram diversos meses em cartaz, além de algumas encenações na Itália.

Em 1976, retornaram ao Brasil e passaram a enfrentar diversos problemas, o que resultou no desligamento de alguns membros. Apesar das tentativas de dar continuidade ao grupo, houve rejeição do público com a nova formação, que não conseguiu obter o mesmo sucesso anterior, tendo em vista que a nova apresentação era mais convencional.

Wagner Ribeiro de Souza desligou-se do Dzi logo após o retorno da Europa. Ainda no mundo artístico foi compositor de músicas como “Vingativa”, gravado pelo grupo “As Frenéticas” e por Rita Lee; e “Cris Darling”, também gravado pelas Frenéticas. Faleceu em 1994, assassinado na chácara em que vivia no município de Magé, no Rio de Janeiro, após a tentativa de fugir de um assalto. Em sua cidade natal, Bebedouro, foi homenageado com a denominação de uma rua no bairro Residencial Antônia Santaella.

(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense).

Publicado na edição 10.691, de sábado a terça-feira, 13 a 16 de agosto de 2022.