A teoria da mãe geladeira

0
4036

Toda uma geração de pais conviveu com o peso de uma culpa inescrupulosa e injusta pelo autismo de seus filhos.

“Mamãe, mamãe, descobri que o Capitão Gancho é bonzinho… ele falou – Eu vou cuidar muito bem de você!”, anunciou o garoto durante a consulta, interrompendo o médico. Repetiu a afirmação umas duas ou três vezes antes de voltar ao silêncio habitual e à agitação das mãos para cima e para baixo.
Assim funciona a percepção de um autista, que não consegue perceber o olhar e o tom de voz do personagem carregados de ironia. Para quem não tem afinidade com o termo, autismo é definido como um transtorno global do desenvolvimento, problema de origem neuropsicológica que costuma se manifestar na infância prejudicando seu portador por toda a vida.
Os quadros da doença são variados. Incluem o autismo clássico, definido pelas dificuldades extremas de aprendizado da linguagem e de interação social; a síndrome de Asperger, que se caracteriza pelos gestos repetitivos e a falta de controle em movimentos delicados; e a síndrome de savant, em que as habilidades matemáticas ou artísticas são extraordinárias, a despeito do retardo mental.
Embora não existam estatísticas plenamente confiáveis, acredita-se que 1% das crianças norte-americanas e inglesas sofra de algum transtorno de desenvolvimento. No Brasil, cuja saúde nunca fez parte do primeiro escalão do governo a não ser pela prosa e pelo verso, não só não existe nenhuma estatística formal sobre casos de autismo, como dificilmente novos casos são identificados na baixa idade e encaminhados para os centros de atenção psicossocial infantil (CAPSi). Se fossem, estariam em apuros, já que poucos dos poucos centros existentes têm habilitação para atender casos de autismo.

O fundamento genético

Por anos a fio acreditou-se que os motivadores do autismo advinham de causas psíquicas, resultado eminente da criação de pais frios e distantes. Bruno Bettelheim, psicólogo norte-americano nascido na Áustria, foi um dos pesquisadores que defenderam ardorosamente essa tese por mais de 20 anos, o que levou à famigerada “teoria da mãe geladeira”. Por toda uma geração, pais, em especial as mães, conviveram com o peso de uma culpa inescrupulosa e injusta pelo autismo de seus filhos.
A situação começou a se reverter somente por volta de 1960, quando evidências sobre alterações do sistema nervoso central estariam por trás do autismo. Décadas mais tarde um grupo liderado pela médica brasileira Monica Zilbovicius, na época pesquisadora do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica da França, promoveu estudos utilizando um aparelho de tomografia que mostrava a diferença do fluxo sanguíneo no cérebro de crianças autistas em comparação ao cérebro de crianças normais.
Mais recentemente outras pesquisas indicaram que problemas no chamado cérebro social eram decorrentes de defeitos nos genes. Maria Rita Passos Bueno, geneticista da USP, foi uma das pesquisadoras que estudou mais de 500 crianças autistas e encontrou em várias delas defeitos em ao menos um dos 250 genes responsáveis pelas conexões entre neurônios. Hoje já há consenso entre pesquisadores de que o autismo tem origem genética.

Para o futuro

Como a doença de Alzheimer ou a doença de Parkinson, o autismo ainda não tem cura. Não é uma boa notícia para os doentes e respectivos pais, que precisam de uma força incomensurável para lidar com a situação. No entanto, pesquisas realizadas em 2010 demonstraram possibilidades de reversão do problema biológico que aparentemente afeta a estrutura dos neurônios de cérebros de doentes, abrindo um importante flanco na suposição da incurabilidade do autismo.
É difícil prever, mas tal fato traz grande esperança de que um dia seja possível desenvolver um fármaco que ponha fim a essa e a várias outras doenças tenazes que teimam em tirar o brilho de nossas vidas.

(Colaboração de Wagner Zaparoli, natural de Bebedouro, doutor em Ciências pela USP, mestre em Ciência da Computação, professor de lógica e consultor. E-mail: [email protected]).