A vez da pesquisa e do conhecimento

Wagner Zaparoli

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O governo brasileiro celebrou com entusiasmo, em 2023, os elevados índices de exportação de soja, tanto em termos de volume quanto de receita cambial. Foi um recorde histórico, dificilmente a ser superado em 2024. Além disso, também tem comemorado os bons resultados da exportação da carne e de outros produtos sem prévio processamento. Como essas exportações ajudam a manter o superávit da balança comercial, é natural que sejam motivo de celebração, afinal, o país está lucrando mais do que gastando.

Mas será que essa situação merece realmente uma grande comemoração? O fato de o Brasil exportar mais do que importa traz benefícios concretos para o país e sua população? À primeira vista, parece que sim, especialmente ao considerar dois fatores: uma população com baixa escolaridade, que luta diariamente para garantir o sustento sem pensar nas consequências a longo prazo, e um governo oportunista, acostumado a manipular essa mesma população de forma estratégica. Nesse contexto, a notícia de um superávit comercial soa como uma grande vitória para o país.

Breve reflexão

Vamos refletir por um momento. Certamente o querido leitor já ouviu o ditado: “é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”, certo? Mas qual o verdadeiro significado por trás dele? A resposta é simples: quem aprende a pescar adquire autonomia para sobreviver. Ou seja, ele domina uma tecnologia e, com isso, conquista a independência.

O Brasil, portanto, exportando inúmeros produtos sem qualquer processamento tecnológico, não está agregando valor algum ao conhecimento do processo produtivo e a sua cadeia tecno-científica. Está simplesmente repetindo aquilo que o Homo sapiens já fazia há mais de 12 mil anos com a agricultura neolítica: explorando a terra. E dada a ganância por lucros incessantes, essa exploração há muito deixou de ser sustentável.

As raízes do conhecimento

A visão imediatista do mundo capitalista muitas vezes impede que a cultura do conhecimento seja cultivada nas corporações. São raras as empresas que possuem um centro de pesquisa estável ou que investem diretamente em pesquisa. Além disso, é evidente a péssima relação existente entre empresa e universidade.

Embora sucateadas, as universidades ainda são a grande fonte geradora de conhecimento, mas por si só, não garantem que o conhecimento ali gerado se transforme de fato em tecnologia aplicada. Não é à toa que grande parte das pesquisas advinda dos mestrados e doutorados é simplesmente engavetada. Isso também evidencia a enorme distância entre os objetivos dos professores e alunos enquanto desenvolvedores de pesquisa, e as necessidades tecnológicas do país.

Em resumo, nem os empresários estão preparados para reconhecer, aceitar e aplicar o conhecimento gerado pelas instituições de ensino, nem tão pouco as instituições de ensino estão preparadas para oferecer às empresas o seu potencial inventivo. Resultado disso: exploração neolítica da terra.

A importância da ciência e da pesquisa

Atualmente o país investe pouco mais de 1% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Existe uma projeção do governo para fazer esse número chegar a 2,5% até 2033, via proposta de emenda à constituição (PEC). Será um milagre se conseguir. O fato é que já passou da hora de observarmos que os recursos naturais são finitos, e viver sob a égide da cultura de subsistência só piora as condições sociais de nossa população.

O investimento em ciência e em pesquisa não deveria ser enxergado como uma opção, mas como uma obrigação. Precisamos evoluir tecnologicamente para nos tornarmos mais independentes de nações do primeiro mundo. Precisamos alargar a cultura e o conhecimento da nossa população. Precisamos parar de dar o peixe e começar a ensinar a população a pescar.

Mas, não devemos esperar que o governo conserte a situação sozinho. É necessária uma evolução no pensamento empresarial brasileiro. É necessário que as empresas, indústrias e até o comércio faça o seu papel, abrindo as portas para o investimento em ciência e pesquisa. Por que as organizações privadas não destinam uma pequena porcentagem de seus lucros para a ciência? Embora seja evidente que os altos impostos já deveriam cumprir esse papel, na prática, isso não acontece. Quem sabe um primeiro passo da iniciativa privada não seja a abertura do precedente para o questionamento sério sobre os altos impostos?

Existem algumas empresas que já colocaram o tema em prática e estão colhendo belos frutos. Mas, para eliminar esse conforto sistemático e viciante que a estrutura política impõe ao cidadão e ao país, é necessário muito mais.

O incremento de 1% de investimento em pesquisa e desenvolvimento gera quase 10% de crescimento no produto interno bruto de um país. Não à toa que países como os Estados Unidos, China, Japão, Coreia do Sul, Israel e Dinamarca, para citar apenas alguns, possuem investimento acima de 2% do PIB em ciência e tecnologia. Será que vamos ter que esperar a próxima chuva para tomar consciência?

(Colaboração de Wagner Zaparoli, doutor em ciências pela USP, professor universitário e consultor em tecnologia da informação).

Publicado na edição 10.885, de sábado a terça-feira, 2 a 5 de novembro de 2024 – Ano 100