Nascido em Bragança Paulista em 1896, Ernesto de Moraes Leme era filho de jovens lavradores que, ainda no final do século XIX, mudaram-se do campo para a cidade, onde passaram a dedicar-se ao comércio. Depois de um breve período na cidade de São Paulo, a família voltou para Bragança, onde Ernesto estudou o curso primário.
Em 1911 iniciou o ensino secundário na Escola Normal de Pirassununga, tendo concluído o curso em Campinas, onde se formou no final de 1914. Diplomado como professor primário requereu ao Secretário do Interior sua nomeação como substituto efetivo no Grupo Escolar de Bebedouro, onde haviam sido criadas mais duas classes.
Foi nomeado a 17 de janeiro de 1915, com proventos mensais de 275$000. Mudou-se para Bebedouro e passou a morar na residência do médico dr. Eugênio Gomes de Matos, juntamente com o professor Francisco da Costa Martins, que exercia o cargo de diretor no mesmo estabelecimento.
Permaneceu em Bebedouro entre os anos de 1915 e 1917 e sobre esse período deixou registradas algumas reminiscências em seu livro de memórias “A Casa de Bragança”, publicado em 1981. Entre outras considerações, escreveu: “A vida em Bebedouro era extremamente agradável. O povo, simples e bom, tornava a existência gratificante. Contava nele excelentes amigos: Drs. Eugênio de Mattos, Paraíso Cavalcanti, Zacarias Bahia, médicos; Pedro Pereira, advogado; Alcindo Paoliello, cirurgião dentista. […] Os colegas do Grupo Escolar – Francisco Algodoal, João Leite de Camargo, Júlio de Faria e Souza, Manuel Martins Diogo Júnior, Teodoro Montera, tornaram-se desde logo meus amigos íntimos”.
Ainda sobre o Grupo Escolar, ao observar que o estabelecimento não possuía um hino próprio, teve a iniciativa de compor uma letra, que foi musicada pelo professor Diogo Júnior. E recordou: “Trinta anos mais tarde, passando em frente a este estabelecimento de ensino, os meus olhos se umedeceram, escutando lá dentro vozes argentinas entoando as estrofes deste hino, composto em minha juventude…”
Como entusiasta da causa dos países aliados na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), deixou registradas as lembranças sobre a “festa dos aliados”, que organizou em 1917, com a colaboração de alguns colegas. “Do coreto do jardim público, fiz o discurso inicial. Várias senhoritas, vestidas a caráter, representavam os países em luta contra a Alemanha. […] Após o discurso de cada uma, a banda municipal tocava o hino da nação em foco. Chegou a vez da França. E, enquanto ouvimos a Marselhesa, vimos caminhar passo a passo, trazendo uma braçada de rosas, o rosto lavado em lágrimas, o padre François Garaude, vigário da paróquia…”
Ainda no início das aulas no Grupo Escolar, Leme se inscreveu no exame de admissão para a Faculdade de Direito de São Paulo. Sem recursos, devido ao atraso no pagamento dos vencimentos, contou com um empréstimo feito pelo colega João Leite Camargo, para as passagens de ida e volta, em 2ª classe no trem da Paulista.
Tendo sido aprovado, fez os três primeiros anos do curso sem frequentar as aulas da Faculdade. No final de 1917 foi sorteado para o serviço militar, sendo destacado para o Rio de Janeiro, juntamente com outros nove jovens da cidade, o que o obrigou a deixar o magistério. No dia da partida, 24 de fevereiro de 1918, os convocados receberam homenagem da Câmara Municipal, que realizou uma sessão cívica e ofereceu um jantar de despedida no Hotel Amadeu. As festividades foram organizadas por uma comissão formada por Raul Furquim, Abílio Alves Marques e Pedro S. Pereira.
Ernesto Leme concluiu o curso de Direito em 1919 e no ano seguinte iniciou a carreira na advocacia na comarca de Catanduva. Posteriormente, transferiu-se para São Paulo e em 1934 foi aprovado em concurso, dando início a carreira de professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, instituição da qual foi reitor entre os anos de 1951 e 1953.
Além da atuação na área jurídica e acadêmica, exerceu o cargo de embaixador do Brasil na ONU e foi eleito deputado estadual por São Paulo. Falecido em 1986, publicou mais de trinta livros em diversas áreas. Sobre Bebedouro, além das reminiscências em “A Casa de Bragança”, escreveu poemas para amigos que aqui deixou, produção que foi reunida no livro “Poemas do Deserto (1914-1919)”, publicado em 1923 e, em segunda edição, em 1971.
(Colaboração de José Pedro Toniosso, professor e historiador bebedourense www.bebedourohistoriaememoria.com.br).
Publicado na edição 10.846, de sábado a quarta-feira, 25 a 30 de maio de 2024